Análise: Maior obstáculo à paz agora talvez seja um ex-presidente

Depois de quase quatro anos de conversações formais com as Farc, Santos insiste que o acordo seja levado a uma consulta popular, medida rara na história dos processos de pacificação.

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Por Nick Miroff e W. POST
Atualização:

Com a proximidade do acordo de paz e um cessar-fogo em vigor, trava-se uma luta final entre o presidente Juan Manuel Santos e o ex-presidente Álvaro Uribe – e as poderosas forças da sociedade colombiana que eles representam.

Depois de quase quatro anos de conversações formais com as Farc, Santos insiste que o acordo seja levado a uma consulta popular, medida rara na história dos processos de pacificação. 

O presidente Juan Manuel Santos (E) cumprimenta o líder das Farc, Timoleón Jimenez, conhecido como 'Timochenko', ao lado do presidente cubano, Raúl Castro Foto: AFP PHOTO / ADALBERTO ROQUE

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O presidente calcula que os colombianos optarão majoritariamente por apoiar o pacto em contraposição a uma simples decisão entre guerra ou paz. As Farc não ameaçam voltar à guerra no caso de o acordo ser rejeitado, mas não deporão totalmente as armas quando a consulta ocorrer. 

O objetivo do presidente é despertar nos colombianos um interesse pessoal no tratado. Se aprovado por ampla margem, poderá representar uma imprescindível catarse para um país em que 220 mil pessoas foram assassinadas e 7 milhões foram expulsas de suas casas em 50 anos de guerra.

As pesquisas sugerem que os colombianos votarão em sua maioria em favor do tratado, mesmo que não gostem de algumas partes do texto. Mas o referendo já está assumindo a forma de uma disputa, semelhante à que ocorreu com a votação do Brexit, porque simbolizará muito mais do que o que está em jogo no voto em si.

Santos, que foi ministro da Defesa no governo de Uribe e depois rompeu com ele para dar início às conversações com as Farc, quer fazer do pacto o seu legado. O presidente tem aparentemente o mundo ao alcance da mão: as Nações Unidas, o presidente Obama e, o mais importante nesta nação de maioria católica, o papa Francisco. Se ele conseguir convencer os mais de 7 mil combatentes das Farc a descerem das montanhas e deporem suas armas, ele se tornará um dos principais candidatos ao Prêmio Nobel da Paz.

Mas há um problema. Com o índice de aprovação despencando, Santos é impopular entre o eleitorado. Seu concorrente, enquanto isso, continua uma figura de enorme prestígio no país. Uribe dizimou os efetivos das Farc quando governou de 2002 a 2010. Acostumado a falar grosso, o filho de um pecuarista morto pelos guerrilheiros é amado pelos tradicionais conservadores, principalmente os donos de terras que arcaram com o ônus dos ataques guerrilheiros.

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Para eles, a guerra é uma questão pessoal. Eles não confiam num acordo de paz, principalmente porque os comandantes das Farc, que eram seus arqui-inimigos, o consideram um trampolim para a política. Embora o acordo não deva incluir a ampla reforma agrícola que os guerrilheiros queriam, sua presença no Congresso trará um novo fator de radicalização na política nas áreas rurais, onde a propriedade de terras se concentra em poucas mãos.

“Muitos desses proprietários rurais sabem que o preço da paz é a devolução do que roubaram”, disse Ariel Ávila, analista político da Fundação para a Paz e a Reconciliação, que apoia o acordo. “No fim, tudo se resume a mero interesse econômico.”

Uribe e seus partidários se enfurecem ao ouvir essas afirmações, assim como as acusações de Santos de que não passam de fomentadores de guerras. “Sempre buscamos a paz, embora dispondo de condições mínimas”, disse Oscar Iván Zuluaga, líder do partido político de Uribe, numa entrevista.

Ganhar simplesmente não seria o bastante para Santos. Ele precisa ganhar por uma ampla margem para que o acordo obtenha a legitimidade e a percepção de consenso nacional que ele busca. Entretanto, a retórica da “resistência civil” de Uribe mostra que ele pretende transformar a votação num referendo sobre Santos e o seu governo. / TRADUÇÃO DE ANNA CAPOVILLA

*É JORNALISTA

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