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Análise: May enfrenta vingança dos defensores da permanência na UE

Em todo o país, os cidadãos votaram nos trabalhistas apesar de não gostarem de Corbyn

Por Anne Applebaum
Atualização:

Theresa May tinha um plano. Apropriar-se das políticas da extrema direita britânica – o Partido da Independência (UKIP) – e depois dos seus eleitores. Desde que assumiu o cargo, há um ano, a premiê, até então moderada, passou a atacar os estrangeiros, escarnecer da União Europeia e apoiar Donald Trump.

Em abril, convocou uma eleição geral antecipada, certa de que os eleitores do UKIP endossariam o seu Brexit “radical” – ou seja, saída total da UE, renunciando ao mercado único – e seu populismo conservador diluído.

A primeira-ministra britânica, Theresa May, disse que osconservadores são capazes de garantir a estabilidade que o Reino Unido necessita em tempos difíceis Foto: REUTERS/Peter Nicholls

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Não importava o fato de o centrismo moderado do seu predecessor, David Cameron, ter dado ao Partido Conservador a maioria no Parlamento. Sim, May tinha um plano – mas um plano construído para a sua base. Ela ignorou os 48% dos eleitores que não votaram em favor da saída da UE. Ignorou a inquietação criada pelo Brexit e as consequências econômicas que agora começam a se fazer sentir. Ignorou os jovens, que desejavam permanecer no bloco europeu e hoje apoiam o Partido Trabalhista numa enorme proporção de 63% frente a 27%. 

May também pressupôs que os centristas e moderados que votaram no Partido Conservador em 2015 e a favor da permanência do país na Europa votariam nela porque não teriam alternativa. Provavelmente não votariam no trabalhista Jeremy Corbyn, político de esquerda, quase marxista, que durante a campanha defendeu aumentos de impostos para os mais ricos, gastos mais consistentes e mostrou-se profundamente cético com relação às políticas externa e de defesa do país.

Os eleitores possivelmente não votariam num partido trabalhista dividido com relação ao Brexit. Mas, à medida que a campanha prosseguia, ela foi se tornando cada vez mais obstinada e mais propensa a erros. Muita gente do centro passou a olhar para Corbyn e se perguntar: “será que ele é muito pior?”.

O resultado? A vingança dos que defendem a permanência na UE. Em todo o país, os cidadãos votaram nos trabalhistas apesar de não gostarem de Corbyn. Questionados, os eleitores mostraram-se preocupados com o futuro do Serviço Nacional de Saúde, disseram não gostar das mudanças de política de May no campo da assistência aos idosos e estavam irritados com a instabilidade provocada pelos conservadores. 

Eis uma lição para os oponentes dos populistas em todo o Ocidente: “agradar a base” não funciona quando há um alto comparecimento de eleitores às urnas.

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É curioso, mas também trágico, o fato de May não ter conduzido tudo de modo diferente. Quando tomou posse, deveria ter reconhecido que o Brexit acarretaria a crise política e constitucional que hoje se instaurou. Poderia ter perguntado aos cidadãos qual a sua preferência. Em vez disso, manteve sua obstinada fórmula – saída total da UE. May manteve sua base e perdeu todo o restante. / TRADUÇÃO DE TEREZINHA MARTINO 

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