Análise: mitos e verdades sobre as guerras dos EUA

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Por Agencia Estado
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Entre os muitos mitos sobre os Estados Unidos existe a imagem de um país militarizado que marcha, com a opinião pública unida, inexoravelmente até a vitória certa. De fato, as armas norte-americanas nem sempre triunfaram e, em muitos momentos críticos, a opinião pública se dividiu de forma bastante contundente. Primeiro Mito: A América invencível Não foi só no Vietnã que os norte-americanos perderam uma guerra (1960-75). De 1812 até 1815, os norte-americanos lutaram contra a Inglaterra no mar e em seu território, acumulando derrotas e humilhações. A pior foi a campanha dos ingleses contra a capital Washington em 1814, em que um exército inglês queimou a Casa Branca e ocupou a cidade. Os norte-americanos fracassaram em todos os seus objetivos estratégicos dentro do conflito, que incluíam desde a conquista da Flórida até a ?liberação? do Canadá. Quando a guerra acabou em 1815, por exaustão, a Inglaterra só não tomou os Estados Unidos de volta por falta de interesse. O governo do Lorde Liverpool achou mais fácil dominar os norte-americanos comercialmente, o que fez por mais duas gerações. Na história mais recente, os resultados são mistos. A derrota no Vietnã, chamada de ?exemplar? pelo jornalista norte-americano I.F. Stone porque ?os homens triunfaram sobre as máquinas,? foi contrabalançada pela vitória, mesmo em cima de objetivos limitados, na Guerra do Golfo (1991). O conflito ?esquecido? da Coréia (1950-53) terminou numa espécie de empate, com a agressão do regime comunista do norte em cheque, mas o país ainda dividido depois de quase 50 anos. Segundo Mito: Estados sempre unidos O próprio John Adams, patriarca da independência norte-americana, admitiu uma vez que ?em nenhum momento durante a Revolução Americana (1775-83) o apoio da população ultrapassou um terço, com um terço leal à coroa e o outro indiferente.? Não foi a última vez que o povo norte-americano ficou dividido. Na Guerra de 1812 contra o ex-colonizador, a oposição foi muito forte na influente Nova Inglaterra. Na ocasião, as assembléias legislativas de cinco estados mandaram delegados a uma convenção na cidade de Hartford, Connecticut, que se realizaria em 1814, com o objetivo de decretar a separação da região do resto do país. Felizmente, as negociações entre os Estados Unidos e a Inglaterra começaram antes do começo da reunião, e o episódio foi um grande constrangimento para os seus proponentes. A Guerra contra México (1846-48), francamente expansionista e escravocrata, inspirou a oposição do partido Whig, inclusive de um jovem deputado federal chamado Abraham Lincoln, que exigiu do governo detalhes sobre ?o exato lugar? em que os mexicanos teriam violado as fronteiras norte-americanas. Anos depois, o próprio Lincoln enfrentou oposição ferrenha nas cidades do norte, supostos bastiões de apoio para a união e contra a escravidão, quando dezenas de milhares de trabalhadores, a maioria de origem irlandesa, resistiram ao alistamento militar veementemente. Em mais de uma ocasião, Lincoln teve de mandar tropas para as ruas da cidade de Nova York a fim de conter manifestações violentas ao invés de para o front na Virgínia. Mais recentemente, nos casos da Coréia e do Vietnã, o apoio da população foi condicionado a resultados rápidos e positivos. Segundo a organização Gallup, por exemplo, os norte-americanos começaram dando amplo apoio ao governo no caso da Coréia, com 65% apoiando a intervenção em julho de 1950. Ocorreu que o povo acreditou na palavra do general Douglas MacArthur, que prometeu ?as tropas de volta em casa até o Natal.? Em dezembro de 1950, com as tropas ainda lutando na Coréia, somente 38% apoiavam a guerra e já 49% exigiam a paz. No Vietnã, o processo de erosão de apoio popular demorou, mas deu no mesmo. Em 1965, quando o presidente Lyndon Johnson mandou tropas pela primeira vez ao Vietnã, mais de 60% dos norte-americanos o apoiaram. Em janeiro de 1968, depois da sangrenta ofensiva comunista de Têt, o apoio despencou para apenas 26%. De 1969 até a retirada do último soldado norte-americano do Vietnã em 1972, o presidente Richard Nixon enfrentou uma situação sui generis na história norte-americana: a recusa por parte de várias unidades do exército para lutar, fenômeno que incluía, em alguns casos, o uso de força de soldados contra oficiais superiores. Terceiro Mito: Um país guerreiro A imagem de um país que gasta muito em armamentos e está sempre pronto para entrar em guerra é recente. Uma das curiosidades da história norte-americana é como o modelo ?país fortaleza? foi rejeitado por décadas e até séculos, e principalmente pelos próprios militares! A frase ?complexo militar-industrial? foi cunhada por um exímio oficial militar, Dwight Eisenhower, que a usou de maneira crítica em 1961. Como presidente (1953-61), Eisenhower, arquiteto da vitória aliada na Europa em 1945, se opôs ao uso da bomba atômica, cortou o orçamento militar e sugeriu o fechamento de West Point, a escola que o formou. Só desistiu desta última idéia por causa de apelos de ex-colegas. Esta doutrina militar norte-americana, meio-passiva, provém de uma fonte igualmente improvável, o general William T. Sherman, aquele que queimou Atlanta em 1864 e caracterizou as suas ações de forma simples e pungente: ?Guerra é inferno!? Como comandante do exército norte-americano de 1869 até 1883, Sherman traçou aquela que ainda serve como a doutrina das forças armadas norte-americanas: ódio à guerra, controle político-civil absoluto, não-intervenção do corpo dos oficiais em questões políticas ou diplomáticas, manutenção de um corpo pequeno e profissional de soldados e oficiais em épocas de paz, e criação de grandes ?exércitos de cidadãos? em guerra com o objetivo de destruir inimigos com ?forças maciças.? É uma doutrina apropriada para um país não guerreiro como o império romano mas, nas palavras de Alexis de Toqueville sobre os Estados Unidos dos anos 1830, ?essencialmente comercial, com as energias voltadas para o ganho pessoal e corporativo.?

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