Desde a campanha eleitoral de Jair Bolsonaro, a mudança da embaixada brasileira em Israel de Tel-Aviv para Jerusalém foi tema central das discussões sobre o que seria a política externa de seu governo.
Eleito Bolsonaro e chegado o momento de implementar a mudança, o novo presidente recuou diante de inúmeras críticas e optou pela alternativa mais palatável de abrir um escritório comercial naquela cidade.
A transferência da embaixada, no entanto, não parece ser uma ideia morta e enterrada para o atual governo. A discussão continua viva e a mudança segue sendo uma possibilidade.
Assim, a abertura de um escritório, dependendo de como se der o desfecho da questão central, poderá ter sido apenas um recuo tático, e um passo preliminar para preparar a instalação da embaixada. Mas se as críticas vencerem, terá sido o máximo que o governo se sentiu apto a fazer.
Uma pergunta fundamental, entretanto, deveria ser formulada para dar sustentação a este debate: de onde vem a grande necessidade sentida por este governo, ou por muitos dentro dele, de conduzir a mudança da embaixada?
Uma dica, na busca pela resposta, é procurar por aqueles a quem a mudança interessa. Para o Brasil, cujos interesses devem ser os únicos guias da política externa, certamente não há nada a ganhar no processo.
Não há qualquer benefício que possa advir para o Brasil, desse passo, que não possa ser conquistado sem ele. Não há nada que Israel possa oferecer ao Brasil que não esteja ao nosso alcance sem o gesto.
Evidentemente, a Israel a coisa interessa, porque presta legitimidade à sua ocupação e à sua narrativa, mas os interesses do país não devem ser o norte da nossa política externa, nem do nosso governo.
A mudança pode interessar a setores sociais, religiosos ou empresariais brasileiros, mas estes não têm a representatividade suficiente para fazer com que, em seu nome, se sacrifiquem os interesses do país, se estes estiverem presentes no espírito dos governantes.
A alternativa, é claro, está em que atender aos interesses desses setores talvez resulte em atender também aos interesses individuais, pessoais, dos governantes e dos políticos que advogam a mudança, quer sejam estes interesses afetivos, religiosos, negociais ou de qualquer outra natureza.
Desde o início, as críticas ao projeto colocaram à frente, primeiramente, o risco de deterioração de nossas relações com os países árabes, e logo com os países muçulmanos.
E os perigos para nosso comércio, especialmente na agropecuária, de fato pesaram para a hesitação e o recuo. Hoje, no entanto, o Brasil, alinhando-se inteiramente aos clientes dos Estados Unidos, percebe que, pelo menos em relação a alguns dos países árabes, o risco é menor porque, no fundo, apesar de um ou outro discurso de indignação, estão todos a serviço da mesma agenda.
O risco, agora visto como mitigado, talvez já não sustente a hesitação e abra espaço para a implementação do projeto. Talvez, portanto, não percamos tanto em comércio, mas sim em estatura. Porque damos um passo que quase ninguém no mundo deu e porque o fazemos de graça e contrariamente a nossos interesses.
* É professor de direito internacional na FGV Direito SP