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Análise: O precedente e os perigos da expansão da Suprema Corte

Enquanto Senado sabatina juíza Amy Coney Barrett, alguns liberais dizem que expandir a Suprema Corte seria uma resposta adequada às recentes jogadas republicanas na disputa pela confirmação das nomeações

Por Adam Liptak
Atualização:

WASHINGTON — Faz muito tempo que a Suprema Corte dos Estados Unidos é formada por nove assentos. Será que isso pode mudar? 

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A Constituição permite que o Congresso aumente ou subtraia assentos, e isso já foi feito muitas vezes, mas a última foi em 1869. Ao longo dos anos, o Congresso reduziu o número de juízes para apenas 5 e chegou a aumentá-lo a até 10. Com frequência, as mudanças foram feitas para garantir vantagens partidárias.

Há também analogias contemporâneas. Nos dez anos mais recentes, foram apresentadas em pelo menos dez legislaturas estaduais (em sua maioria controladas pelos republicanos) propostas de mudanças no tamanho de seus tribunais superiores. No Arizona e na Geórgia, as propostas foram aprovadas. Os dois Estados eram controlados pelos republicanos, e a jogada tornou as cortes estaduais mais conservadoras.

O edifício da Suprema Corte dos Estados Unidos, em Washington Foto: REUTERS/Will Dunham/File Photo

“No mínimo, estamos falando de uma prática que contradiz a alegação republicana segundo a qual a ampliação da corte seria uma afronta à separação entre os poderes, sendo considerada uma alternativa descartada", disse Marin K. Levy, professor de direito da Universidade Duke e autor do estudo publicado na William & Mary Law Review.

As recentes disputas pela confirmação de nomeados no nível federal levaram a apelos para que os democratas ampliem o tamanho da Suprema Corte dos EUA se conquistarem a Casa Branca e o Congresso na eleição do mês que vem.

Para alguns liberais, essa seria uma resposta adequada ao bloqueio dos republicanos à nomeação do juiz Merrick Garland em 2016, indicado pelo presidente Barack Obama, jogada que na prática reduziu o número de assentos na corte para oito durante mais de um ano, sob a premissa segundo a qual uma vaga aberta em ano de eleição deve ser preenchida pelo indicado do novo presidente eleito. A pressa em confirmar antes da eleição a nomeação da juíza Amy Coney Barrett, cuja audiência começou na segunda feira, só aprofundou a irritação da esquerda.

“O tamanho do tribunal foi alterado seis vezes na história dos EUA, e a constituição expressa claramente o direito do congresso de mudar os contornos da corte", disse Aaron Belkin, diretor da campanha Take Back the Court [Retomada da corte], descrita por ele como “uma campanha para informar a opinião pública a respeito da urgência de uma ampliação da corte como medida necessária à restauração da democracia".

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A última vez que um presidente tentou mudar o tamanho da corte foi em 1937, quando Franklin Roosevelt apresentou aquele que se tornaria conhecido como seu plano de expansão da corte. No sentido imediato, foi um fracasso: o número de nove juízes foi mantido. Mas, como resultado, o tribunal foi pressionado, e começou a defender as leis progressistas do New Deal.

Ainda assim, o experimento afastou a perspectiva de um debate sério a respeito de uma alteração no tamanho da corte. De fato, a mudança no número de juízes se converteu em uma resposta geral às tentativas de moldar o judiciário; os republicanos acusaram Obama de fazê-lo em 2013, quando ele tentou preencher três vagas existentes no Tribunal de Apelações dos EUA do Circuito do Distrito de Colúmbia.

O apoio popular a uma ampliação da Suprema Corte segue baixo, o que pode explicar a recusa do candidato democrata, Joe Biden, em assumir uma posição diante dessa questão. Um levantamento realizado em julho, antes da morte da juíza Ruth Bader Ginsburg no mês passado, identificou que 19% dos republicanos e 30% dos democratas defendiam uma ampliação da corte.

A juíza da Suprema Corte Ruth Bader Ginsburg durante homenagem em universidade em Nova York, em 2019 Foto: Lindsay DeDario/Reuters

Os autores de um relatório complementar — Lee Epstein e James L. Gibson, da Universidade Washington, em St. Louis, e Michael J. Nelson, da Universidade Estadual da Pensilvânia — disseram que tais números são reveladores.

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“O apoio a uma ampliação da corte é hoje cerca de 20 pontos porcentuais inferior ao apoio ao plano de F.D.R. em 1937 — um plano tão ridicularizado que há muito funciona como conto admonitório contra os esforços que buscam mudar o tamanho da corte", escreveram eles.

Mas Belkin disse que a opinião pública está mudando rapidamente. “A campanha pela ampliação da corte está ganhando muita força, especialmente se considerarmos que, dois anos atrás, esse apoio não existia", disse ele.

No levantamento recente, foi observado mais apoio à ideia de um limite ao mandato dos juízes da Suprema Corte, mas tal medida provavelmente exigiria uma emenda constitucional.

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O grupo bipartidário Keep Nine, formado por ex-procuradores-gerais estaduais, propôs uma emenda constitucional diferente, fixando o número de juízes em nove integrantes.

“Queremos fazer aquilo que a maioria das pessoas pensa estar na Constituição, mesmo não estando", disse Paul G. Summers, ex-procurador-geral do Tennessee. De acordo com ele, a emenda proposta ajudaria a isolar a Suprema Corte da dinâmica política.

Em entrevista concedida à rádio NPR no ano passado, Ruth Bader Ginsburg se disse contrária a uma alteração no número de juízes que formam a corte. “Nove me parece ser um bom número", disse ela. “Faz tempo que as coisas são assim.”

“Soube que há entre os democratas quem gostaria de aumentar o número de juízes", afirmou ela. “Acho que foi má ideia quando o presidente Franklin Delano Roosevelt tentou expandir a corte.”

Lee Epstein disse que há razões para questionar essa análise. “A juíza Ginsburg, já morta, talvez pensasse que uma reforma seria desnecessária ou até prejudicial à corte", disse ela. “Mas não seria necessariamente assim. Sejam democratas ou republicanos, os americanos de hoje que defendem mudanças estruturais na corte provavelmente buscam reforçar a legitimidade da corte, e não enfraquecê-la.” / TRADUÇÃO DE AUGUSTO CALIL

*É REPÓRTER FORMADO PELA FACULDADE DEDIREITO DE YALE. FOI ADVOGADO POR 14 ANOS ANTES DE INGRESSAR NO NEW YORK TIMES, EM 2002

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