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Análise: O que está acontecendo com o Chile?

Por trás da estabilidade política e seus invejáveis números macroeconômicos, diversos setores ficaram excluídos, o que levou ao longo dos anos a um descontentamento social que explodiu com força

Por Giovanna Fleitas e Agência France-Presse
Atualização:

O admirado modelo chileno escondia profundas rachaduras. Por trás da estabilidade política e seus invejáveis números macroeconômicos, diversos setores ficaram excluídos, o que levou ao longo dos anos a um descontentamento social que explodiu com força.

País enfrenta críticas a um modelo econômico em que o acesso à saúde e à educação é praticamente privado Foto: Martin Bernetti / AFP

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A raiva tomou conta das ruas. Nem a saída de militares, decretada no sábado pelo presidente direitista Sebastián Piñera em meio ao caos, serviu para conter o grito de milhares de pessoas cansadas das injustiças de um sistema político que em seus pilares se mantém quase intacto ao herdado da ditadura de Augusto Pinochet (1973-1990).

“De fora se viam somente as conquistas do Chile, mas dentro há um alto nível de fragmentação, segregação e uma juventude, que embora não tenha vivido a ditadura, saiu às ruas para mostrar sua raiva e decepção”, explica Lucía Dammert, analista da Universidade de Santiago.

Com uma inflação de 2% ao ano, pobreza de 8,6% e um crescimento esperado para este ano de 2,5%, um dos mais altos em uma região de crise, o chamado modelo chileno causava inveja a muitos na América Latina, ainda que seus indicadores sociais – como saúde, educação e pensões – escondiam algumas injustiças.

“Muitas demandas estavam latentes e não haviam sido respondidas. Acumulou-se a tensão, a frustração que se reforça a cada dia com a vida cotidiana”, destaca Octavio Avendaño, sociólogo e analista político da Universidade de Chile.

Para este especialista, não é à toa que a gênese da explosão social foi o aumento de 3% nas tarifas de metrô, uma medida que o presidente Sebastián Piñera congelou quando as manifestações estavam fora de controle e somavam reivindicações históricas da classe trabalhadora.

Desigualdade crônica, em um país que ostenta a renda per capita mais alta da América Latina (mais de US$ 20 mil), um criticado sistema de pensões que aposenta a maioria da população com rendas inferiores ao salário mínimo (de uns US$ 400), elevados custos de saúde e educação e a constante pressão do mercado imobiliário, que torna impossível para muitos conseguir moradia própria, formaram uma força difícil de conter, segundo os analistas.

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O sociólogo Alberto Mayol, da Universidade de Santiago, explica que “em uma sociedade na qual os benefícios sociais são de mercado e a integração social se produz por meio do consumo, as pessoas precisam comprar para estarem inseridas na sociedade e para isso necessitam se endividar”.

O endividamento é um dos grandes males que afeta aos chilenos. Uma a cada três pessoas com mais de 18 anos têm um saldo financeiro que não pode enfrentar com seus próprios recursos, segundo um estudo da Universidade San Sebastián y Equifax.

Esse endividamento afeta milhares de pessoas que saíram da pobreza nos últimos anos, mas sofrem a opressão de pertencer a uma classe média que não conta com muitos benefícios sociais. São os filhos e netos dessas famílias os que iniciaram a atual revolta sem precedentes.

Com Piñera liderando um governo repleto de figuras do mundo empresarial, as manifestações estão carregadas de alusões ao poder econômico de seus dirigentes e à injustiça de um sistema que privilegia o capital. “A política precisa fazer mea culpa e a população estaria agradecida em aceitá-la”, disse Lucía. 

Para Mayol, a situação está fora de controle e “o fenômeno que vem a seguir é um mistério”.

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