
26 de abril de 2020 | 04h00
Nos últimos dias, o Brasil procedeu a radical ruptura na sua política externa. Deixou de apoiar iniciativas multilaterais sobre a pandemia. Recusou-se a copatrocinar projeto de resolução na ONU, apresentado por 178 países. Essa recusa foi estimulada pela rejeição ao projeto pelos EUA, que se opunham a um papel de liderança da OMS no enfrentamento da doença.
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A isso, somam-se declarações do chanceler Ernesto Araújo, que denunciou um imaginário plano pelo qual o “globalismo”, aproveitando a crise, procuraria difundir sua “ideologia comunista”. Ele se deixa inebriar por delírios e devaneios de sentido conspiratório, desprovidos de conexão com a realidade. O chanceler deu agora mais um passo no processo de submissão do Brasil aos EUA. Abandonou a postura de liderança que nossa diplomacia seguia havia décadas na abordagem da saúde. Essa política mostra-se infensa à própria ONU e ao multilateralismo. O ministro adota postura equivocada e irrealista.
Preocupa-se com o “globalismo”, mas não percebe que o atual contexto internacional se caracteriza justamente pela existência de desafios globais. E a comunidade internacional se defronta com três deles gritantemente “globais”: as mudanças climáticas, a pandemia e a recessão econômica. Em suma, é mais necessária do que nunca a cooperação de caráter multilateral. Nossa política externa precisa livrar-se da influência deletéria das ideologias de extrema- direita que o governo de Donald Trump e movimentos que o apoiam, inclusive no plano religioso, tratam de fazer chegar a outros países. Urge dar as costas a tais influências. Precisamos de um retorno a vetores básicos de nossa atuação internacional, como o pragmatismo, a objetividade, o realismo e o compromisso inarredável com o multilateralismo.
*É EX-EMBAIXADOR DO BRASIL NA CHINA
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