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Análise: Projeto pode colocar em vigor sistema de vigilância onipresente na França

A lei de segurança global estabelece restrições sem precedentes à liberdade de expressão

Por Rokhaya Diallo
Atualização:

Na tarde de sábado, 28, uma multidão cantou o famoso lema do país, “ Liberté, Egalité, Fraternité!”, no simbólico pátio de Direitos Humanos em frente à Torre Eiffel. Foi o terceiro protesto reunindo milhares de pessoas contra o projeto de lei de segurança global, que põe em risco a liberdade de imprensa e pode significa a introdução de um sistema de vigilância onipresente.

O projeto estabelece restrições sem precedentes à liberdade de expressão. Uma disposição específica chamou atenção. De acordo com seus termos, qualquer pessoa que publicar imagens de policiais que possam “prejudicar” sua “integridade física ou mental” pode pegar um ano de prisão e uma multa de € 45.000.

Protesto em Paris teve tumulto e confronto com a polícia, que usou gás lacrimogênio Foto: EFE/EPA/CHRISTOPHE PETIT TESSON

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Essa vaga caracterização do “dano potencial” é uma ameaça real ao direito de qualquer cidadão de documentar a atividade das forças de segurança da França. Isso está acontecendo porque os vídeos revelaram incidentes de má conduta policial em todo o mundo. Como a polícia pode ser responsabilizada por abusos e uso excessivo da força quando filmá-los em ação pode resultar em uma pena de prisão? 

A frase “integridade mental”, em particular, parece dar à polícia ampla margem de manobra para interpretar qualquer imagem que a coloque em posição desconfortável perante a lei. A nova disposição legal seria um obstáculo para qualquer jornalista que tentasse cobrir protestos públicos ou qualquer evento que envolvesse ação policial em potencial.

O ministro do Interior, Gérald Darmanin, foi ainda mais longe, dizendo que para não serem presos os jornalistas que cobrem protestos devem se aproximar e obter credenciais da prefeitura local. Se implementado, esse processo pareceria um movimento para criar uma lista restritiva de jornalistas que podem cobrir essas questões.

Em resposta, os editores-chefes dos principais meios de comunicação nacionais compartilharam suas preocupações em um artigo no Le Monde. Eles declararam que nenhum deles aceitaria o processo de credencial de Darmanin para jornalistas, afirmando que "não há credencial para fazer livremente nosso trabalho na via pública". Darmanin acabou recuando, dizendo que os jornalistas também estariam isentos da proibição de filmar a polícia, mas outras disposições relativas ao projeto permanecem.

A lei de segurança também amplia os poderes das forças policiais em relação à vigilância por vídeo, dando-lhes acesso a câmeras de segurança em torno de lojas ou em edifícios e concedendo-lhes o direito de usar drones equipados com tecnologia de reconhecimento facial para monitorar manifestações públicas.

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Segundo o advogado Vincent Brengarth, isso constitui uma “reversão de nosso modelo social a um que poderíamos nomear, sem exageros, de Estado policial”.

Esse comentário soa particularmente perturbador considerando o fato de que o projeto de lei foi proposto por Jean-Michel Fauvergue, um membro do parlamento do partido do presidente Emmanuel Macron que era anteriormente o chefe do RAID, uma unidade de elite da Polícia Nacional Francesa. A lei parece ser adaptada para satisfazer os sindicatos da polícia, em vez de proteger os cidadãos e seus direitos de exercer suas liberdades civis.

Vários órgãos de direitos humanos alertaram a França sobre essa tendência autoritária. Em nota, a Comissão Consultiva Nacional de Direitos Humanos afirmou que nenhuma das instituições encarregadas dos direitos fundamentais foi consultada, embora “esse texto redesenhe de forma alarmante os contornos de um 'novo acordo' de segurança”.

O órgão disse que reserva-se o direito de “examinar a legislação final para verificar sua conformidade com a legislação da União Europeia”.

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O Conselho de Direitos Humanos das Nações Unidas denunciou a lei por conter "violações significativas dos direitos humanos e das liberdades fundamentais". Esta não é a primeira vez que a ONU exorta a França a adequar sua legislação aos padrões internacionais de direitos humanos. Isso aconteceu em 2017, antes da adoção de uma lei de contraterrorismo que abriu caminho para outras medidas que pareciam desprezar os direitos humanos.

Após os primeiros protestos contra a lei, um coletivo de sindicatos, jornalistas, organizações não governamentais e famílias de vítimas de violência policial publicou um artigo denunciando a violência policial que os manifestantes enfrentaram após uma reunião pacífica.

Mas, mesmo enquanto o debate estava acontecendo, um policial espancou violentamente o jornalista Remy Buisine enquanto ele cobria a retirada brutal de imigrantes em um campo em Paris. Graças ao vídeo, visto mais de 1 milhão de vezes nas redes sociais, Darmanin foi forçado a reagir, dizendo que achou as imagens “chocantes” e exigindo uma retratação.

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Com o Senado marcado para discutir e votar a lei em janeiro, os cidadãos franceses que desejam promover as liberdades civis e a liberdade de mídia devem continuar a se opor a ela.

* É JORNALISTA, ESCRITORA E CINEASTA FRANCESA.

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