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Análise: Quem liderará a Líbia pós-Kadafi?

Rebeldes ainda não têm figura carismática capaz de aplacar divisões e disciplinar dissidentes

Por Paul Wood
Atualização:

O júbilo inicial em Benghazi, que virou a "capital rebelde" logo no início da ofensiva dos insurgentes contra o regime de Kadafi na Líbia, deu lugar à ansiedade.

 

 

 

Os grupos contrários a Kadafi reconhecem que a batalha ainda não está vencida e que ainda há combates à espera em Trípoli. E há, também, o risco de caos caso um novo governo não preencha rapidamente o vácuo de poder deixado pelo regime anterior. A expectativa é que a futura liderança da Líbia se forme a partir do atual Conselho de Transição Nacional (CTN), formado pelos rebeldes em Benghazi no início do levante. Mas isso ainda deixa em aberto a questão de quem seria o novo líder líbio após 42 anos de supremacia do coronel Kadafi. Os olhos estão sobre o presidente do Conselho, Mustafa Abdul Jalil. Ex-ministro da Justiça, ele tem reputação de integridade e goza de prestígio tanto no leste quanto no oeste do país. "Ele era o único que enfrentava Kadafi (no governo), que, por sua vez, dizia 'não'", disse um morador de Benghazi. Porém, Abdul Jalil ameaçou renunciar diversas vezes e ainda não está claro se ele de fato quer o trabalho. Coalizão desconfortável Entre os nomes recorrentes está o de Mahmoud Jibril, o chefe do Conselho Executivo, uma espécie de gabinete do CTN. Jibril tem reputação de ser um competente tecnocrata, a quem caberiam muitas das decisões sobre o funcionamento do Conselho no dia-a-dia. Seu colega Ali Tarhouni, também notório, retornou do exílio para se encarregar da função vital de encontrar financiamento para os rebeldes. Também mencionado frequentemente é Shokri Ghanem, um ex-primeiro-ministro que impulsionou a liberalização da economia. Ele vive fora da Líbia e não faz parte do Conselho rebelde. Se, e a partir do momento em que, Kadafi realmente deixar o poder, as dificuldades de se implementar um novo governo começarão. Saques generalizados, ataques de vendeta contra simpatizantes de Kadafi e disputas fratricidas colocam potenciais obstáculos à ordem e à estabilidade do incipiente regime. O próprio Conselho é uma colagem de diferentes facções - islâmicas, seculares, ex-membros do regime e exilados de longa data - com pouca coisa em comum além do desejo de derrubar Kadafi. O movimento rebelde representa também uma coalizão desconfortável entre representantes do leste e do oeste do país. O assassinato do líder militar rebelde, general Abdul Fattah Younis, em julho, aparentemente por homens sob o seu comando, não foi esquecida. O ato pode ter sido cometido por soldados leais a Kadafi, militantes islâmicos ou líbios procurando vingança pelo fato de o general ter ocupado a pasta do Interior no governo de Kadafi. Vingança Há divisões profundas e potencialmente perigosas dentro do movimento rebelde, hoje às portas do poder. Os rebeldes que lutam em Trípoli estão mais próximos de um mosaico formado por diferentes milícias que de um exército unitário. O desafio imediato da liderança política em Benghazi é evitar assassinatos de vendeta contra os simpatizantes de Kadafi. Tais ações poriam em risco o apoio dos países da aliança militar ocidental, a Otan, que colocou a vitória ao alcance dos rebeldes. Minariam, também, a legitimidade de qualquer novo incumbente. Abdul Jalil afirmou que renunciará se seus comandantes não respeitarem o Estado de Direito - uma extraordinária admissão de que partes das Forças Armadas podem estar fora do controle político. Nenhuma personalidade política carismática se destacou ainda como um tipo de figura capaz de disciplinar os elementos dissidentes do campo rebelde e curar as divisões no país. Após quatro décadas de domínio do coronel Muamar Kadafi, talvez os líbios achem que outro homem de mão firme seja exatamente do que precisam.

 

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