Para o presidente Donald Trump, o domingo pode ter sido o melhor dia de seu mandato até agora. A mais sombria e ameaçadora nuvem que pairava sobre sua presidência foi afastada com a divulgação das conclusões do promotor especial, que reduziram a ameaça de impeachment e lhe deram um poderoso incentivo nos 22 meses finais de seu mandato.
Ainda há outras nuvens sobrecarregadas e ninguém, de fora do Departamento de Justiça, realmente leu o relatório de Robert Mueller que pode ainda divulgar informações condenatórias. Mas o fim da investigação sem conclusões de conluio com a Rússia fortaleceu o presidente para as batalhas que estão por vir, incluindo sua campanha pela reeleição.
Embora os críticos ainda discutam se Trump tentou obstruir a justiça, o presidente rapidamente disse ser inocente e os aliados republicanos atacaram seus colegas democratas pelo que chamaram de uma implacável campanha partidária contra ele. Mesmo quando os líderes de seu partido no Congresso convocaram o país para seguir em frente, o presidente indicou que pode não estar pronto para isso, denunciando a própria existência da investigação de Mueller como uma tentativa “ilegal de derrubá-lo que fracassou” e pedindo uma investigação sobre como isso começou.
Encorajado e com raiva, o presidente agora pode prosseguir com seu governo sem a distração de novos mandados de busca e denúncias por parte da equipe de Mueller ou a preocupação de que o promotor especial possa acusar membros da família de Trump ou até mesmo descobrir uma prova irrefutável que mostre que sua campanha colaborou com o governo russo para elegê-lo em 2016. As perguntas sobre a interferência do Kremlin na eleição, que perseguiram o presidente quase em todos os lugares, devem desaparecer em breve, mesmo que outros continuem a investigar acusações.
A equipe de Mueller confirmou que a Rússia tentou inclinar a eleição em favor de Trump, mas sua conclusão de que ele não conspirou com tal esforço pode facilitar o caminho para Trump reorientar a política externa dos EUA para Moscou e seu presidente, Vladimir Putin, sem tanta preocupação quanto às consequências domésticas. E isso pode dar uma confiança renovada a Trump, que reclamou que suas negociações com líderes mundiais foram prejudicadas pela incerteza sobre se ele sobreviveria à investigação.
O fim da investigação de Mueller também deixou os democratas na defensiva e os forçará a decidir quão vigorosamente vão continuar perseguindo as acusações de má conduta do presidente e de seus aliados, incluindo muitos que não foram examinados pelo conselho especial, cuja autoridade se limitou à interferência da Rússia na eleição e qualquer possível obstrução da justiça resultante dela.
Enquanto Trump afirmou que as descobertas de Mueller eram “uma total e completa isenção”, Mueller disse que elas não eram. Embora ele não tenha estabelecido uma conspiração com a Rússia, Mueller não apresentou nenhuma resolução quanto à obstrução da justiça. “Embora este relatório não conclua que o presidente cometeu um crime, ele também não o isenta”, escreveu. Em vez disso, segundo o resumo, Mueller definiu várias ações de Trump que poderiam ser vistas como obstrução, deixando os outros decidirem se as acrescentavam. William Barr, o procurador-geral recentemente nomeado por Trump, concluiu no domingo que eles não o fizeram.
Mas a Câmara, controlada por democratas, tem o poder, sob a Constituição, de decidir se as ações do presidente constituíam “altos crimes e contravenções” que justificassem o impeachment e poderiam interpretar a evidência de Mueller de outra maneira. A próxima fase da história, então, será a luta dos democratas da Câmara para forçar Barr a entregar o relatório completo de Mueller e as provas que o acompanham.
Até que leiam o relatório, os democratas dificilmente concordarão que o presidente foi considerado inocente. E eles provavelmente convocarão Mueller para depor.
A presidente da Câmara, Nancy Pelosi, já disse que não era a favor do impeachment, a menos que a evidência fosse “tão convincente e esmagadora e bipartidária”, um padrão que parece ainda menos provável de ser encontrado agora.
De qualquer forma, a investigação de Mueller teve um efeito prejudicial sobre a presidência, levando a indiciamentos, condenações ou confissões de culpa para meia dúzia de associados de Trump, incluindo seu assessor de campanha e conselheiro de Segurança Nacional, e provocando o desdobramento de investigações. Em qualquer outro governo, essa história por si só seria suficiente para prejudicar seriamente um presidente.
Além disso, enquanto Mueller encerra seus trabalhos, investigadores federais, estaduais e do Congresso ainda examinam os negócios de Trump, suas finanças, seu comitê inaugural e seus associados.
Promotores federais em Nova York implicaram Trump em um esquema para violar as leis de financiamento de campanha ao direcionar dinheiro para comprar o silêncio de duas mulheres, evitando que fizessem revelações antes da eleição de 2016, sobre supostos casos extraconjugais com ele. O Estado de Nova York o forçou a fechar sua fundação depois de encontrar um “padrão surpreendente de ilegalidade”. O Comitê Judiciário da Câmara tem analisado documentos de 81 pessoas ou entidades associadas a Trump em uma ampla variedade de tópicos.
Mas Mueller tinha estatura bipartidária e credibilidade que nenhum dos outros perseguidores do presidente tinha, apesar dos esforços do próprio Trump para derrubá-lo. Agora, o presidente que rotineiramente atacou Mueller e seus 13 “democratas raivosos” por sua “caça às bruxas” certamente usará os resultados da investigação do conselho especial para dispensar todos os outros como parte de um esquema de conspiração e perseguição vingativa, seja como for que os fatos possam ou não aparecer.
Ele provavelmente não vai convencer seus muitos críticos disso, mas pode reforçar sua base política rumo a uma batalha pela reeleição, onde as questões éticas e legais de Trump certamente serão o foco principal do debate. Nas pesquisas, os principais eleitores republicanos já expressaram profundo ceticismo sobre as alegações contra Trump e a legitimidade das investigações sobre elas.
“Não indiciados” ou “sem impeachment” pode não ter sido um adesivo de para-choque muito popular em tempos passados, mas no ambiente político polarizado de hoje, cada lado vê essas questões através das próprias lentes.
A noção de que o sistema perseguiu Trump na pessoa de Mueller e fracassou em derrubá-lo se encaixará perfeitamente na narrativa do presidente sobre injustiça e vitimização, energizando seu autorretrato como uma ameaça à ordem existente. Para Trump, esse foi um dia tão bom quanto poderia ser. / TRADUÇÃO DE CLAUDIA BOZZO