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Análise: Trump, um líder sem liderança

Desafio do presidente será provar que sua credibilidade ainda possui valor real para convencer o eleitor americano a sair de sua casa a fim de lhe confiar o voto

Por Hussein Kalout
Atualização:

Duas correntes analíticas debruçaram-se, nos últimos dias, sobre dados e fatos para analisar o impacto da infecção do presidente Donald Trump por covid-19 e seu consequente afastamento do palanque eleitoral.

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Alguns consideram que a internação pode ter sido sua tábua de salvação, enquanto outros consideram o episódio a pá de cal nas pretensões do candidato republicano à reeleição. As duas vertentes de análise se amparam em parâmetros não excludentes.

O escopo de análise delineado pela corrente pessimista indica perda de apoio eleitoral do mandatário americano. A ausência de Trump dos comícios e da frente de mobilização de sua base estaria gerando efeitos que podem lhe custar a reeleição.

Quanto mais Trump estiver fora do palanque, convalescendo dos efeitos da covid-19, maior é o dano. Sua campanha estaria perdendo adesão em momento crucial do embate eleitoral, segundo essa visão.

Diagnosticado com coronavírus, presidente Donald Trump teve melhora substancial e está trabalhando do hospital Foto: Joyce N. Boghosian / Casa Branca

A outra linha analítica estima que a ausência do inquilino da Casa Branca dos palanques, neste momento e especialmente após o desempenho tétrico no primeiro debate eleitoral com o rival democrata, não é todo ruim.

A ausência pontual de Trump seria no fundo estratégica e mesmo conveniente, para reduzir-se a pressão sobre a campanha presidencial republicana. Apesar de haver encurtado a distância em alguns estados-chave na disputa, o presidente passou a ter mais flancos políticos a defender.

Se catalogadas, as vulnerabilidades do mandatário americano comporiam lista nada trivial, considerando-se que a eleição termina em menos de 30 dias. A vinculação da imagem presidencial a grupos supremacistas brancos, a hipótese de sonegação fiscal em sua declaração de imposto de renda, a tensão racial que tomou conta do país e a má gestão no combate à pandemia são fatores que deixam Trump em posição defensiva. E isto lhe reduz o espaço de manobra para sair das cordas.

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A despeito de o presidente americano estar internado, sua indústria de fake news está operando em intensidade mais agressiva, a fim de compensar a impossibilidade de sua presença física em comícios pelo país. Ademais, enquanto estiver enfermo, o presidente não poderá ser atacado frontalmente por ninguém – aliás, a negação da ciência e a minimização dos efeitos da pandemia já não afetam, como se imagina, a campanha do candidato republicano.

Os dados disponíveis mostram que Biden mantém praticamente a mesma vantagem em Michigan e em Wisconsin. Na Flórida, Trump segue emparelhado com Biden. No Texas, segue preservando sua vantagem. Na Pensilvânia, não há indicações de declínio na preferência de voto no candidato republicano. No entanto, na Carolina do Norte, diversos grupos religiosos se mobilizam em vigília pela saúde do presidente e se articulam de forma ativa para evitar perda de endosso eleitoral do candidato republicano.

Na Carolina do Norte, Trump e Biden estão tecnicamente empatados tecnicamente, assim como na Geórgia. Apesar de Biden ter ampliado a margem no cômputo total das intenção de voto, a disputa no colégio eleitoral segue acirrada por ora. A polarização é tão marcante que o cenário permanece inalterado no colégio eleitoral no que diz respeito aos estados estratégicos.

O desafio de Trump, nas próximas três semanas, será provar que sua credibilidade ainda possui valor real para convencer o eleitor americano a sair de sua casa a fim de lhe confiar o voto. Ao desdenhar de seu rival democrata sobre a importância de dar o exemplo no combate à pandemia e ao ameaçar judicializar o pleito eleitoral – antes do fechamento das urnas –, o presidente americano apequenou a cadeira presidencial e deflagrou séria crise de credibilidade para seguir à frente da maior potência mundial.

O pecado maior de Trump, nesta reta final, reside em seu descompromisso com o verdadeiro significado do conceito de liderança. Erro que pode se revelar fatal quando as urnas foram fechadas!

* HUSSEIN KALOUT, 44, é Cientista Político, Professor de Relações Internacionais e Pesquisador da Universidade Harvard. Foi Secretário Especial de Assuntos Estratégicos da Presidência da República (2016-2018). Escreve semanalmente, às segundas-feiras.

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