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Analista prevê oposição renovada na Venezuela

Para socióloga venezuelana, a aceitação da derrota por Manuel Rosales pode abrir um novo caminho tanto para a os meios de comunicação, quanto para a oposição

Por Agencia Estado
Atualização:

Ao contrário do que muitos analistas indicam, a vitória arrasadora de Hugo Chávez nas eleições do último domingo pode ter um resultado positivo para os meios de comunicação venezuelanos. Pelo menos é o que pensa a socióloga e professora da Universidade Católica Andrés Bello de Caracas, Maryclen Stelling, para quem a aceitação da vitória de Chávez pelo oposicionista Manuel Rosales pode indicar um novo caminho tanto para a os meios de comunicação, quanto para a oposição política do país. Em entrevista ao Portal Estadão.com.br, Maryclen, que é coordenadora geral da ONG Observatório Global dos Meios da Venezuela, explicou a lógica do raciocínio, que numa primeira análise pode parecer contraditório. Afinal, dois dias antes do pleito de domingo, Chávez chegou a prometer não renovar as concessões dos meios de comunicação que não reconhecessem uma eventual vitória sua. Mas Maryclen vê aspectos positivos no recente processo eleitoral venezuelano. "Creio que o reconhecimento da derrota por Rosales poderá marcar um novo caminho para a oposição, e pode ser que os meios de comunicação transitem a rota democrática que ele fixou na noite de domingo", diz ela, que destaca o caráter anti-chavista assumido abertamente por grande parte da imprensa venezuelana. Desta forma, continua, estará aberto um espaço democrático para que as idéias contrárias ao regime de Chávez se apresentem e para que a oposição se reconstrua. A íntegra da entrevista: Reeleito com mais de 60% dos votos, Chávez saiu amplamente fortalecido das eleições do último domingo. Como a Sra. acredita que será as relações entre os meios de comunicação e Chávez a partir de agora, num momento em que o presidente se apresenta muito poderoso? Em primeiro lugar, eu diria que as relações de Chávez com os meios de comunicação que fazem oposição ao governo sempre foram muitos conflituosas, pois tanto os meios de oposição como os do governo assumiram posturas como se fossem partidos políticos. Isto faz com que a verdade factual seja tratada de maneira política, ou seja, a verdade factual baixa a cabeça ante à política. Como Chávez ganhou de uma maneira importante, com vitórias em todos os estados da Venezuela, temos um presidente verdadeiramente poderoso. Mas nesse contexto também há algo importante, que foi o reconhecimento da derrota pelo candidato oposicionista Manuel Rosales. Creio que esse reconhecimento poderá marcar um novo caminho para a oposição, e pode ser que os meios de oposição transitem a rota democrática que Rosales fixou na noite de domingo. Pois agora não se fala de fraude, nem de elementos negativos. Fala-se simplesmente que a oposição foi derrotada. Nesse contexto, um dos cenários seria que os meios de oposição aceitem a postura de Manuel Rosales. Por que isso é conveniente? Porque a oposição precisa se reconstruir. E a oposição precisa de um condutor, que poderia ser Manuel Rosales. A oposição venezuelana é muito conjuntural. Se organiza para a reeleição, para derrotar Chávez, e uma vez que perde, se desorganiza. E parece que Rosales está pensando no futuro. No seu futuro político e no futuro da oposição. Um outro cenário seria que os meios continuem com uma oposição radical e irracional sem reconhecer as vitórias do governo de Chávez e sem dar-lhe legitimidade. Nesse cenário creio que será uma relação amplamente conflituosa, em que Chávez, como prometeu, não renovará as concessões dos meios de comunicação. Mas o tom dos meios de comunicação hoje na Venezuela é o tom expresso por Rosales na noite de domingo. A Sra. citou a promessa de Chávez de cancelar as concessões aos meios de comunicação. Essa ameaça não pode fazer com que os meios se sintam obrigados a se autocensurarem para sobreviverem? Até o momento a ameaça de Chávez não implicou numa mudança significativa nas posições assumidas pelos meios de oposição. Até ontem os meios que eram de oposição continuavam em suas posturas de oposição. O que pode ser comprovado nos artigos de opinião e editoriais dos jornais, em todos os programas de rádio e televisão. O que se via ali era uma oposição absoluta a Chávez e uma deslegitimação de suas obras de governo. Até ontem, os meios não fizeram caso das ameaças de Chávez. De hoje e em diante, ante o mapa "rojo, rojito" do país, com a vitória de Chávez em todos os estados, poderá haver uma certa suspeita de que isso possa ser verdade. Porque há margem legal para isso. Não seria algo ditatorial, porque o Estado venezuelano dá concessões aos meios de comunicação. Nesse sentido, o Estado poderia não renovar as concessões, o que seria interpretado como uma retaliação. Mas eu acho que de agora em diante o monitoramento do exercício de Chávez será um monitoramente mais equilibrado. Como a Sra. avalia o futuro das relações entre Chávez e as outras organizações civis, como sindicatos e outras associações? Aqui a sociedade civil não se desenvolveu como na Argentina, por exemplo, onde tem um papel importante. Na Venezuela isso não acontece porque esse espaço foi ocupado pelos partidos políticos. Os partidos políticos permearam a sociedade civil, politizando-a. Com o enfraquecimento dos partidos políticos, os meios de comunicação ocuparam esse espaço, tornando-se grandes articuladores de interesse. Chávez, durante seu exercício presidencial, passou a classificar a sociedade civil como a expressão do que ele chama de "quarta república". O chavismo se dedicou a fortalecer as redes sociais dos setores excluídos, de maneira que esses setores passaram a ter uma grande força nas redes de organização social; são os comitês de terra, os conselhos municipais de planificação, etc. Trata-se de uma rede de organização social muito importante, que serve de amparo para o chavismo. Essa relação direta de Chávez com as redes sociais é boa. O que é ruim é essa idéia de que a sociedade civil é uma expressão da quarta república. Trata-se de uma idéia que não tem existência constitucional. Pois ela só fortalece o chavismo, excluindo as outras expressões. Por exemplo, a Súmate, que é uma expressão da sociedade civil muito identificada com a oposição, praticamente desapareceu durante esta eleição. Atualmente ela exercesse muito pouca pressão. Há outros exemplos, como a Desenvolvimento Eleitoral, que já teve uma participação importante, a Ação Educativa... Todas essas expressões da sociedade se debilitaram profundamente diante do modelo de sociedade que temos atualmente. Elas não têm mais participação como grupos de pressão. Com a sinalização de que Chávez iria ganhar as eleições, e após a consolidação da vitória, os Estados Unidos posicionaram-se positivamente em relação a possibilidade de voltar a dialogar com Chávez. O que muda na relação de Chávez com os Estados Unidos a partir de agora? A relação de Chávez com os Estados Unidos é uma relação que tem um duplo sentido, uma dupla linguagem e uma dupla moral. Nós somos sócios econômicos e petroleiros importantíssimos para os Estados Unidos. E nunca deixamos de ser. De maneira que subterraneamente, continuamos com essa parceria, porque na Venezuela o que temos atualmente é um capitalismo de Estado. E qualquer proposta de "socialismo" para o século 21 passa por esse capitalismo de Estado. O que estaria mudando agora é a verbalização, ou a confrontação no nível da política internacional. Ao mesmo tempo, é impossível que os Estados Unidos neguem que aqui há uma democracia, ou que o processo que se passou foi absolutamente transparente. Porque os cidadãos puderam ir livremente às urnas e votaram livremente. E houve a aceitação da derrota pelo outro candidato. Assim, seria nadar contra a corrente para os Estados Unidos dizerem que não iriam negociar com a Venezuela. Porque, desta maneira, estariam perdendo um espaço regional muito importante - afinal, a Venezuela tem liderado regionalmente a pauta com o vizinho do norte. E não reconhecer isso seria perder espaço não só na Venezuela, como em toda a região latino-americana. Por isso o momento é de uma redefinição da relação com os Estados Unidos. Mas as relações econômicas foram sempre as mesmas. Nós precisamos deles, e eles precisam de nós.

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