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Angola tem votação calma, mas eleitores criticam desorganização

Muitos angolanos disseram ter tido dificuldade de encontrar locais de votação; eleição é a terceira da história do país

Atualização:

LUANDA - O dia em que os angolanos votaram pela terceira vez na história transcorreu como um feriado na capital do país, Luanda, que teve nesta sexta-feira, 31, ruas vazias e boa parte do comércio fechada. Nos locais de votação, porém, muitos se queixavam da organização do processo eleitoral que definirá o próximo presidente do país e a composição da Assembleia Nacional.

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Veja também:link Angola vai às urnas em meio a tensões e sob olhares do Brasillink Em Angola, marqueteiro do PT busca reeleição de líder há 33 anos no poderEm busca de um novo mandato, o presidente José Eduardo dos Santos, do MPLA (Movimento Popular para a Libertação de Angola), no poder há 33 anos, segue favorito na disputa. Seus principais concorrentes são Isaías Samakuva, da Unita (União Nacional Para a Independência Total de Angola), e Abel Chivukuvuku, da Casa-CE (Convergência Ampla de Salvação de Angola - Coligação Eleitoral). A BBC Brasil visitou cinco escolas que abrigavam urnas eleitorais na região central de Luanda entre as 9h e 17h. Embora não houvesse filas e o clima estivesse tranquilo, pelo menos 15 eleitores relataram dificuldades para encontrar seus locais de votação. "Já estou há duas horas de um canto a outro a procurar onde devo votar", disse Marcelina Joaquim, 36 anos. Com o filho de quatro meses adormecido às costas, ela deixou sua casa na periferia de Luanda para votar no centro da cidade, onde tirou seu título há vários anos. Após longa espera para encontrar um candongueiro (van) que a levasse a seu destino, foi orientada por um fiscal a se dirigir a outro ponto, onde a situação se repetiu. "A vontade é desistir, mas vamos em frente", disse ela à BBC Brasil. Outros, entretanto, tiveram o desejo de votar prontamente frustrado. Um jovem que não quis se identificar disse ter sido informado por um fiscal eleitoral que só poderia votar em sua cidade natal, Lobito, 400 km ao sul de Luanda. Ele imaginava que, a exemplo do último pleito, em 2008, seria possível votar em qualquer centro eleitoral do país. No entanto, neste pleito, os eleitores foram divididos por seções eleitorais. A mudança pegou muitos angolanos desprevenidos, embora a Comissão Nacional Eleitoral (CNE) tenha divulgado o novo procedimento na TV e no rádio com antecedência. Coube a cada eleitor informar-se sobre seu local de votação pela internet ou pelo celular (via SMS). À entrada dos centros eleitorais, fiscais com tablets checavam os locais de votação de cada um. Os que não estavam registrados naquele ponto recebiam em instantes um papel impresso com o local correto. Vários, porém, disseram ter sido registrados para votar em locais muito distantes de suas casas, ou até em outras províncias (Estados). Para evitar fraudes tanto na última eleição como nesta, o dedo de quem vota é mergulhado em tinta preta. Denúncias na internet O grupo Movimento pela Verdade Eleitoral, ligado a ativistas contrários ao governo de José Eduardo dos Santos, criou um site para que angolanos pudessem denunciar em tempo real dificuldades enfrentadas na eleição. Entre as principais queixas feitas estavam a impossibilidade de votar porque o local de voto era muito distante; a ausência de listas dos eleitores nos locais de votação, o que os impedia de votar; a presença de delegados não credenciados nos centros eleitorais; e sugestões por parte de fiscais ou delegados para que se votasse no partido do presidente, o MPLA. Às 17h, a duas horas do fim do horário de votação, muitos angolanos pelas ruas de Luanda ainda não haviam votado. "E eu vou sujar meu dedo à toa?", questionou de foma bem-humorada o mecânico Carlos Jorge, 32. "Todos já sabem quem vai ganhar; meu voto não faz diferença", justificou ele, referindo-se ao amplo favoritismo do atual presidente. "Sempre votei no M (MPLA) e vou continuar a votar até que surja algo melhor", diz o aposentado Joaquim Antunes, 63. "Esses gajos da oposição eram pupilos do Jonas Savimbi (ex-líder da Unita), com eles não se pode brincar", acrescentou. Savimbi (1934-2002) liderou a Unita durante a guerra civil que o grupo travou contra o MPLA, entre 1975 e 2002, ano de sua morte. Em Luanda, tradicional reduto do MPLA, seu nome ainda gera grande resistência e temor. No entanto, cinco jovens entrevistados pela BBC Brasil disseram ter votado na oposição: dois na Unita e três no Casa-CE, uma dissidência do principal partido opositor. Eles citaram entre as razões para o voto o desejo de mudança no governo, ocupado pelo MPLA desde a independência angolana, em 1975. Listas fechadas Na eleição, nove partidos concorrem com listas fechadas de candidatos. O primeiro da lista do partido mais votado se tornará presidente, e a proporção dos votos determinará a composição da Assembleia Nacional. Encabeçando a lista do MPLA, Dos Santos terá a chance de ser eleito pela primeira vez, já que no único pleito presidencial do país, em 1992, a disputa foi suspensa antes de sua conclusão. Até a última quinta-feira, a Unita vinha pedindo o adiamento da votação. O presidente da sigla, Isaías Samakuva, afirmou que a organização do pleito não havia sido transparente e que temia uma fraude. Ele também disse que a Casa Militar da Presidência da República estaria inflitrada no órgão eleitoral. "Caso as eleições não fossem adiadas", afirmou Samakuva, "a Unita não poderia ser responsabilizada" pelo que viesse a acontecer. A comissão eleitoral, no entanto, rejeitou o pedido e afirmou que as queixas de Samakuva eram "infundadas". Nesta sexta-feira, Samakuva votou, mas disse que poderá buscar a anulação da eleição nos tribunais. "Ninguém me garante que o resultado que saia daí seja aquele que corresponde à vontade dos eleitores", afirmou.

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