26 de dezembro de 2010 | 00h00
Crime violento e tráfico de drogas assolam boa parte das Américas. Idem para a pobreza e desigualdade que, mesmo em queda, ainda prosperam. Corrupção e burocracia continuam sugando riquezas enquanto o desempenho pífio nas salas de aula compromete a alvorada latina. A seguir, o ano das Américas em revista - com surpresas boas e nem tanto. Ao menos na visão confessadamente parcial deste repórter.
Colômbia. Após quatro décadas de barbárie e medo, a Colômbia se refez. Entre 2003 e 2010, a mando de Álvaro Uribe, a Colômbia quebrou a espinha dorsal da narcoguerrilha. Uribe dobrou as Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc), expulsando-as das cidades.
Despencaram-se os sequestros e assassinatos. E embora a Colômbia ainda sofra surtos de violência e o flagelo dos 3 milhões a 4 milhões de desterrados pelos conflitos armados, o novo clima de segurança e paz fez renascer a economia e a democracia. Os investimentos estrangeiros aumentaram dez vezes desde 2003 e as ações de empresas colombianas dispararam nas bolsas.
Sim, o estilo rolo compressor do governo Uribe ofendeu políticos e vizinhos, que jamais perdoaram a intimidade entre Bogotá e Washington. Mas o durão Uribe saiu louvado e ainda fez seu sucessor, Juan Manuel Santos. América Latina adora detestar a Colômbia, mas bem que poderia aprender com ela.
México é a nova Colômbia. Na defensiva colombiana, o narcotráfico internacional migrou. Achou sombra e sustento no norte do México, longe do alcance do governo central. Os narcos mexicanos atuam há décadas, traficando e matando, mas escancararam a partir de 2006 quando o presidente Felipe Calderón declarou guerra aos cartéis.
O Plano Colômbia cedeu lugar ao Plano Mérida. Já são 30 mil mortos nos últimos quatro anos. E já que para o crime o mundo é uma bexiga, o aperto (mesmo débil) das tropas mexicanas deslocou a bolha para a vizinhança. A violência em El Salvador, Honduras e Guatemala agora rivaliza com a dos anos 80, quando a guerra fria ainda arrepiava na América Central.
Cuba repaginada. Monumento pétreo do autoritarismo latino, Cuba ensaia mudar de jogo. Com a economia agonizando, a confraria Castro anunciou a demissão de 500 mil a 1 milhão de funcionários públicos. "Nosso sistema falhou", admitiu Fidel Castro numa entrevista em setembro. Pegou mal e o patriarca, que se disse mal interpretado, renovou as juras ao comunismo. Quanto mais esperneou mais forte ficou a impressão de que até a gerência em Havana entende que o modelo de negócios da revolução está fazendo água. Conforme o aviso prévio, o rebento cubano terá de trocar a guarida do Estado falido pela selvageria do mercado que foi extinguido.
Chávez ganha mesmo perdendo. Enquanto Fidel tergiversa, Hugo Chávez segue seu rumo, tornando Venezuela o maior receptor de fidelistas terceirizados. A permuta ajuda o comandante venezuelano a abafar a dissidência crescente, à cubana. Acossado pelo crime, uma forte recessão e a popularidade em queda, Chávez sofreu uma derrota forte nas eleições de setembro, colhendo menos de 50% dos votos. Prevenido, pediu ao Congresso atual - que ainda toca como uma flauta - super poderes para neutralizar a nova Assembleia que toma posse, com oposição vitaminada, no dia 5. Assim, Chávez surpreende ao se mostrar mais perigoso sangrando do que em plena saúde.
A bolha Obama. Barack Obama chegou ao poder com a bênção global e expectativas de que com ele tudo mudaria. Cuba se libertaria do embargo "anacrônico". Washington escancararia as portas para as exportações latinas e Obama acolheria todos irmãos latinos, de bolivarianos a bogotanos. Nada disso ocorreu.
Com os EUA às voltas com duas guerras, uma recessão profunda e pautas quixotescas como a reforma da saúde, a América Latina sumiu do radar. Pela inércia ou pela convicção, algumas políticas herdadas da era George W. Bush (o embargo cubano) se mantiveram enquanto outras iniciativas (o acordo bilateral com Colômbia) atolaram no Congresso de maioria democrata. Pelo WikiLeaks, sabemos agora que o aclamado abraço conciliatório aos desafetos latinos - como o "louco" Chávez e a "desequilibrada" Cristina Kirchner - era puro teatro.
O chinês feio. Com os americanos distraídos, Pequim aproveitou. Comprou este ano tudo que as latitudes americanas produziram, de soja a minérios, e ainda nos entupiram com roupas, eletrodomésticos e bugigangas baratas. Algo como 92% dos manufaturados latinos estão sob ameaça dessa onda vermelha, calculam os economistas. A China não ostenta sua superioridade, mas sua sombra já provoca medo. O novo americano feio fala baixo, em mandarim. Seu ano novo começa só em fevereiro.
É CORRESPONDENTE DA "NEWSWEEK", COLUNISTA DO ''ESTADO'' E EDITA O SITE WWW.BRAZILINFOCUS.COM
Encontrou algum erro? Entre em contato
Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.