Antes políticos de segunda linha, governadores estaduais comandam resposta dos EUA ao coronavírus

Políticos assumiram papel de liderança na crise e destacaram inação e falta de seriedade inicial da Casa Branca

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Por Redação
Atualização:

WASHINGTON — Um dia depois de o presidente Donald Trump ter dito aos governadores dos Estados Unidos em uma teleconferência que tinha “observado muitos de vocês pela televisão” ao lidar com o coronavírus, ele provou o que tinha dito já na terça-feira, 18, ao publicar no Twitter uma mensagem agressiva contra a governadora de Michigan por ter dito à MSNBC que “o governo federal demorou para levar o problema a sério".

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Mas as ofensas de Trump — ele se referiu a Gretchen Whitmer apenas como a “fracassada governadora de Michigan” e disse que ela precisava “trabalhar mais” — logo saíram pela culatra. Respondendo pelo Twitter, Gretchen enumerou uma série de medidas que tinha adotado desde a semana passada na tentativa de conter a epidemia e mencionou a página na internet e a linha telefônica direta que o Estado preparou para tirar dúvidas a respeito do vírus.

“Ironicamente, ele ilustrou o que eu disse: o governo federal não está levando a coisa a sério o bastante", disse Gretchen em entrevista na tarde de terça, destacando que o presidente acompanhava tudo “pela televisão".

A governadora de Michigan, Gretchen Whitmer, em campanha em 2018 Foto: Brittany Greeson/NYT

A troca de farpas ilustrou a imensa diferença entre a resposta do presidente à colossal crise de saúde pública e a dos governadores de muitos Estados.

Desde o início da difusão do coronavírus, os governadores assumiram um papel de liderança no anúncio de parâmetros rigorosos e alertas vigorosos, afirmando-se de uma maneira que só destacou a inação e falta de seriedade inicial da Casa Branca.

Com as pesquisas de opinião mostrando que um número muito maior de americanos confia mais no governo estadual do que no presidente Trump para superar a crise, o contágio fez ascender uma turma de políticos veteranos que os eleitores republicanos ignoraram na corrida presidencial de 2016 e a quem os eleitores democratas deram as costas em 2020.

Como resultado, a liderança de figuras como os democratas Jay Inslee, de Washington, e Gretchen Whitmer, e os republicanos Mike DeWine, de Ohio, e Larry Hogan, de Maryland, imbuiu-lhes de força para desempenhar um papel ou exercer influência na próxima presidência, seja qual for o partido vencedor.

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Inslee, que disputou a candidatura presidencial dos democratas para 2020 e cujo estado está no epicentro da crise, deixou de lado as implicações políticas do vírus, mas revelou em entrevista que ainda não tinha recebido um telefonema de Trump, que este mês se referiu ao governador como “serpente".

Inslee disse estar em contato frequente com o vice-presidente Mike Pence, diretor da força-tarefa de combate ao coronavírus e também ex-governador, e expressou esperança na continuidade da evolução de Trump, passando pelo que o governador de Washington descreveu como “negação seguida de aceitação relutante para finalmente chegar à liderança ativa”.

“Os líderes do nosso governo federal em todos os níveis deveriam encarar esse momento como o 8 de dezembro de 1941", disse Inslee, pedindo pelo “mesmo nível de resposta federal que tivemos na manhã seguinte a Pearl Harbor".

Hogan também se disse satisfeito ao ver que Trump parecia levar o vírus mais a sério, mas deu a entender que já tinha passado da hora, e o presidente poderia ter procurado os governadores antes. “As mensagens dele parecem muito mais com minha maneira de falar e a dos meus colegas nas semanas mais recentes", disse ele.

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De acordo com Hogan, o processo político “não funciona e o sistema precisava de um choque". Ele disse que, por “pior que seja contemplar essa crise, talvez, quando nos recuperarmos, possamos deixar para trás os partidarismos e disfunções".

Trump, é claro, foi beneficiado pelos partidarismos que ele próprio fomenta desde o começo de sua primeira campanha, cinco anos atrás. E dado seu gosto pelo exibicionismo e sua impulsividade, ele pode ter dificuldade em se conter, como mostra seu ataque a Gretchen Whitmer.

Ele também se recusou a reconhecer o ceticismo inicial, tão bem documentado, que demonstrou diante da seriedade do vírus. “Eu daria nota 10", disse Trump aos repórteres na segunda-feira quando indagado a respeito da qualidade do seu desempenho. E, na terça-feira, Trump disse, “Achei que era uma pandemia muito antes de chamarem de pandemia", contrariando suas próprias declarações da semana anterior.

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Mas a questão maior saída dessa crise pode ser uma valorização da competência e da experiência, reduzindo a polarização que define a política americana da nossa era.

Com muitos governos e empresas prevendo um terrível custo humano decorrente do vírus bem como uma catástrofe econômica nacional, o apelo partidário a ideologias e tribalismos deve perder parte da relevância, ao menos no curto prazo.

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“Nesse ano eleitoral, as pessoas vão pensar em quem é competente na gestão de emergências", disse o governador J.B. Pritzker, de Illinois.

Afinal, Trump não é o único a observar os governadores do país: logo também o farão muitos americanos trancados em casa, acompanhando cada detalhe do desenrolar da crise e avaliando o desempenho das muitas figuras públicas que a enfrentarão.

A resistência do partidarismo na história americana, mesmo em momentos de crise, e a profunda desconfiança em relação às instituições pode testar essa avaliação. A maioria dos eleitores pode retomar os velhos hábitos depois que o vírus for contido.

Mas, por enquanto, o país está buscando confiança e liderança nos governadores, alguns deles pouco conhecidos no palco nacional, de uma maneira que rompe bruscamente com a perspectiva centrada em Washington por meio da qual o governo é visto em um período de política nacional orientada para celebridades.

Por exemplo, seria difícil imaginar DeWine, de bons modos, que passou toda uma vida em cargos públicos, começando como promotor estadual em 1976, como uma sensação do noticiário. Mas lá estava ele sendo entrevistado para o programa The View, da ABC, na manhã de terça feira, falando de Columbus via satélite. 

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“Uma das coisas que aprendi nos meus 40 anos de carreira foi confiar nos meus instintos", disse DeWine em entrevista na noite de terça. “E, desde o início dessa crise, meus instintos estão me dizendo para agir mais rápido.”

E não é apenas na saúde pública que os governadores estão liderando: com o coronavírus jogando o calendário das primárias da eleição presidencial de 2020 na incerteza, os líderes estaduais assumiram a iniciativa na elaboração de planos alternativos para garantir a realização do pleito.

A governadora democrata Kate Brown, do Oregon, cujo estado já vota inteiramente pelo correio, deu início a um programa da Associação de Governadores Democratas para estudar procedimentos de votação e resgatar o processo de nomeação do seu partido, mobilizando assessores para avaliar onde os estados poderiam ser beneficiados por uma transição para os votos em ausência ou pelo correio, de acordo com pessoas informadas a respeito da iniciativa.

Em entrevista na tarde de terça, Kate disse estar concentrada principalmente no combate à epidemia de coronavírus no seu Estado, mas acrescentou que adotar medidas estaduais para proteger a eleição era uma prioridade urgente, sem esperar pelo governo federal.

“Levando em consideração o histórico desse governo em relação às questões de proteção do direito ao eleitor, os estados precisam assumir a liderança para proteger o direito de acesso à urna do eleitor", disse Kate. “E, sinceramente, a ação tem que ser decisiva.

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