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Apatia com partidos tradicionais impulsiona libertários argentinos

Nova direita surge como um movimento urbano e conservador, mas sem ligação com religião ou presença de militares

Por Daniel Galvalizi
Atualização:

BUENOS AIRES - “Nos anos 90, ser rebelde na Argentina era ser de esquerda, contra o neoliberalismo. Ser de direita era um palavrão”, disse o cientista político Pablo Winokur, da Universidade de Buenos Aires. “A geração que não viveu os anos 90, agora acha que se rebelar é estar à direita. Ser de direita deixou de ser um palavrão. É algo impensável há uma década.”

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Foi aproveitando essa abertura que Javier Milei arrombou a porta da política argentina e tirou um naco do apoio dos jovens. O economista libertário é uma mistura de ideias. Ele se declara abertamente antissistema e a favor dos direitos das minorias - ele se define com “tântrico” e costuma falar sobre sexo na TV. 

Ao mesmo tempo, ele é contra as leis de igualdade de gênero, que ele considera “autoritárias”, e não quer saber do envolvimento da Igreja com a política - diferentemente do trumpismo e do bolsonarismo. Milei é contra a legalização do aborto, porque, segundo ele, não respeita a liberdade individual das pessoas. Em seu liquidificador de ideias libertário, as mudanças climáticas são “uma mentira do socialismo” e, durante a pandemia, foi contra a quarentena, embora não seja negacionista nem antivacina.

O jovem Nicolás Dimitrijevich, de 29 anos, é o típico eleitor da nova direita. Ele é filiado ao partido Proposta Republicana (PRO), de Mauricio Macri, mas anda desiludido com a política tradicional. Publicitário que vive em um bairro nobre no norte de Buenos Aires, ele diz que votará em Milei, que representa a “raiva” que ele sente. 

Governo argentino passará oficialmente das mãos de Mauricio Macri para Alberto Fernández (dir.) no dia 10 Foto: Noticias Argentinas / AFP

Assim, Nicolás espera mandar uma mensagem forte contra o governo do presidente, Alberto Fernández, mas também um sinal de alerta para a oposição macrista, que está perdendo seus eleitores. “Estou farto da corrupção. Acho que Milei, sendo novo, ficará menos contaminado pela casta política”, explicou, o jovem - que não esconde o incômodo com o negacionismo ambiental de seu candidato libertário. 

Segundo Winokur, na Argentina de hoje, mergulhada em uma crise econômica e moral profunda, o surgimento de uma onda liberal é, ao mesmo tempo, a expressão da antipolítica e da esperança. “Hoje, os únicos que vão votar com alegria são esses liberais. O resto vota mais para conter o avanço de Cristina Kirchner ou contra a volta de Macri.”

Da mesma forma, Winokur considera que a nova direita libertária é um fenômeno urbano que dificilmente se tornará maioria. “O maior obstáculo é a marca deixada pelos movimentos de direita na Argentina, tanto na ditadura militar quanto no governo de Carlos Menem, nos anos 90”, disse. “Dito isso, nada impede que eles cheguem ao poder em coligação com outras forças tradicionais. Eles podem se tornar uma minoria barulhenta que acaba mudando o mapa político da Argentina.”

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Por isso, para competir com Milei, o macrismo decidiu levar às primárias o nome de Ricardo López Murphy, um economista ultraconservador com posições duras, para tirar votos dos libertários - ele é pré-candidato a deputado pela cidade de Buenos Aires.

As primárias medem a temperatura política da Argentina, o quanto a base de cada um está mobilizada. Por isso, a votação de hoje será o primeiro grande teste de Fernández. A Casa Rosada está a sete cadeiras de ter maioria na Câmara, o que lhe permitiria uma agenda mais populista. Mas, por enquanto, tudo indica que os argentinos não pretendem dar um cheque em branco ao kirchnerismo. Segundo pesquisas, o governo deve ter um desempenho pior do que na eleição de 2019 - embora possa recuperar terreno em novembro, na eleição legislativa. 

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