22 de julho de 2016 | 05h00
É difícil lembrar hoje que, para o presidente Barack Obama, Recep Tayyip Erdogan, da Turquia, personificava um novo tipo de líder muçulmano. Obama o considerava “um homem de princípios e de ação”, segundo disse Tom Donilon, ex-assessor do presidente para segurança nacional, em 2011.
Mas, quando Erdogan começou a mostrar suas tendências autoritárias, as relações entre os dois, antes intensas, se deterioraram. As frequentes conversas por telefone com Obama acabaram e Erdogan observou que hoje raramente eles se falam.
O malogrado golpe na Turquia
Erdogan agora pode ser uma amarga decepção para o presidente, mas é ainda melhor do que qualquer outra opção - e, gostemos ou não, continua sendo um elemento fundamental na campanha contra o Estado Islâmico e em uma série de outras questões cruciais.
“Quaisquer que sejam nossas preocupações com o rumo que o governo de Erdogan está tomando - e há preocupações reais - ninguém pode achar que um golpe militar seja uma alternativa legítima ou sensata”, disse Philip H. Gordon, coordenador da política para o Oriente Médio no Conselho de Segurança Nacional até 2015.
Se o golpe tivesse sido bem-sucedido, afirmam funcionários do governo, a Turquia muito provavelmente teria mergulhado num prolongado período de instabilidade, talvez até de guerra civil. Com isso, ela se tornaria uma parceira ainda menos confiável na campanha contra o Estado Islâmico, depois que os EUA e seus aliados obtiveram o direito, em julho do ano passado, de usar a Base Aérea de Incirlik, na Turquia para lançar ataques aéreos contra o grupo. Por telefone, Obama instou Erdogan a se preocupar com a ameaça do Estado Islâmico.
No entanto, Erdogan, muito provavelmente, está preocupado com as ameaças dos separatistas curdos e dos partidários de Fehtullah Gulen, clérigo muçulmano que mora na Pensilvânia em exílio voluntário e é acusado por Erdogan de fomentar o golpe.
Obama e Erdogan já tiveram divergências anteriores. Numa reunião de cúpula em Toronto, em 2010, houve um violento confronto verbal de duas horas a respeito da decisão da Turquia de votar contra a imposição de sanções ao Irã no Conselho de Segurança da ONU.
Foi esse o primeiro abalo de um relacionamento que começara num clima auspicioso, em 2009, quando Obama escolheu a Turquia como o primeiro país muçulmano que pretendia visitar como presidente.
Obama acreditava que Erdogan, que ascendeu na política como reformista, “demonstraria que é possível ser democrata e islâmico ao mesmo tempo”, disse Gordon. “Ele tem muita fé em Erdogan, investiu nesta relação”.
Erdogan, segundo os analistas, tinha igualmente fé em Obama. Ele o considerava um tipo de líder americano diferente, que não valorizaria as relações com Israel e a Arábia Saudita acima de todos os outros países da região. Em 2011, o presidente falou com maior frequência com Erdogan do que com qualquer outro líder estrangeiro, com exceção do primeiro-ministro David Cameron, da Grã-Bretanha.
Embora Obama advertisse periodicamente Erdogan a conter suas tendências autoritárias, o presidente, em geral, fazia suas críticas em privado. Este seria mais um reflexo da falta de opções de Obama.
/ TRADUÇÃO DE ANNA CAPOVILLA
*É CORRESPONDENTE NA CASA BRANCA
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