Após dia de repressão sangrenta em Mianmar, militares indiciam mais uma vez Aung San Suu Kyi

País permanece sob tensão após o dia mais mortal de repressão desde o golpe de Estado

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Por Redação
Atualização:

YANGON - A ex-líder birmanesa Aung San Suu Kyi, já processada por violar obscuros regulamentos comerciais e sanitários, foi acusada nesta segunda-feira, 1º, de dois outros crimes, enquanto o país permanece sob tensão após o dia mais mortal de repressão desde o golpe de Estado.

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A prêmio Nobel da Paz foi processada por violar uma lei de telecomunicações e por "incitar a desordem pública", disse à AFP o advogado Nay Tu, membro de sua equipe de defesa, após a audiência, na qual Aung San Suu Kyi participou por videoconferência.

Ela já havia sido acusada de importar ilegalmente walkie-talkies e violar as restrições ao coronavírus, motivos considerados estranhos por observadores internacionais.

Prêmio Nobel da Paz, líder política em Mianmar e alvo de golpe militar: trajetória turbulenta de Aung San Suu Kyi se confunde com a história política do país. Foto: Kham / Reuters

Fora de comunicação desde sua prisão, ela está "aparentemente com boa saúde", disse seu principal advogado, Khin Maung Zaw, que viu sua cliente por videoconferência pela primeira vez e que ainda não teve permissão para se encontrar com ela. Uma nova audiência está marcada para 15 de março.

As novas acusações surgem um dia após um dia particularmente sangrento de repressão.

Pelo menos 18 pessoas morreram no domingo, de acordo com as Nações Unidas, com base em "informações confiáveis".

A AFP conseguiu confirmar, a partir de fontes independentes, dez mortos, mas alguns relatos falam de um número de vítimas superior ao anunciado pela ONU.

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Apesar do medo de represálias, os manifestantes voltaram às ruas nesta segunda-feira.

Perto da famosa prisão de Insein, em Yangon, as forças de segurança atiraram contra os manifestantes que protestavam contra as prisões do dia anterior, de acordo com uma transmissão ao vivo nas redes sociais.

Família de mulher morta em protesto na cidade de Mandalay, em Mianmar, rezam e lamentam em funeral. Foto: AP

No momento, não foi possível determinar se os tiros foram disparados com munição letal ou com balas de borracha."Estamos unidos", gritavam os manifestantes.

Em outras partes da capital econômica, alguns manifestantes ergueram barricadas improvisadas com pedaços de madeira, sofás e bambus.

A polícia disparou balas de borracha na tentativa de dispersar alguns deles, segundo a mídia local, que reportou vários feridos.

Após quase um mês de mobilização pró-democracia com manifestações diárias e uma campanha de desobediência civil, a resposta das autoridades foi especialmente sangrenta no domingo.

"Munição letal"

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Três manifestantes foram mortos em Dawei, no sul do país, após serem alvos de "munição letal", segundo um socorrista.

Moradores saíram às ruas da cidade costeira na manhã desta segunda-feira para colocar flores vermelhas e acender velas em frente aos retratos das vítimas.

"O exército birmanês é uma organização terrorista", disse o proeminente ativista Thinzar Shunlei Yi no Facebook.

O exército não respondeu aos pedidos de comentários da AFP, mas a mídia estatal advertiu no domingo que "medidas severas serão inevitavelmente tomadas" contra "multidões anárquicas".

Manifestantes se protegem de gases de efeito lacrimogêneo lançado pela polícia para dispersar o protesto em Yangon, em Mianmar, neste domingo, 28. Foto: AP Photo - 28/2/2021

Cerca de 30 manifestantes morreram desde o golpe de Estado de 1º de fevereiro, de acordo com a AAPP, uma ONG que ajuda presos políticos.

O exército afirma que um policial foi morto enquanto tentava impedir uma manifestação.

O uso de armas letais pela polícia e pelo exército contra manifestações pacíficas, em sua maioria, gerou uma nova onda de protestos internacionais.

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O secretário de Estado dos Estados Unidos, Antony Blinken, condenou no Twitter a "violência abominável das forças de segurança birmanesas".

"O uso de força letal (...) e as prisões arbitrárias são inaceitáveis", declarou, por sua vez, o secretário-geral da ONU, Antonio Guterres.

Dias antes, o embaixador birmanês na ONU, Kyaw Moe Tun, rompeu com os generais golpistas, pedindo o "fim do golpe militar" e o "retorno do poder do Estado ao povo". Ele foi destituído pela Junta.

Os numerosos protestos internacionais e o anúncio de sanções por parte dos Estados Unidos e da União Europeia não foram capazes de influenciar os militares.

"O mundo deve intensificar sua resposta. Palavras de condenação são bem-vindas, mas não são suficientes", comentou o relator especial da ONU, Tom Andrews, explicando que nesta segunda publicaria uma lista de opções que proporá ao Conselho de Segurança.

Centenas de prisões

Enquanto isso, as ondas de prisões continuam. Mais de 1.100 pessoas foram presas, acusadas ou condenadas desde o golpe, de acordo com a AAPP.

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Uma mídia oficial relatou 571 prisões apenas no domingo.

Nos últimos dias, vários jornalistas foram presos, incluindo um fotógrafo da agência Associated Press.

O país vive uma onda de manifestações e uma campanha de desobediência civil desde o golpe que derrubou Aung San Suu Kyi.

As últimas revoltas populares, de 1988 e 2007, foram reprimidas com sangue pelo exército, que permaneceu no poder por quase 50 anos desde a independência do país em 1948./ AFP

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