Após morte de general, americanos-iranianos são interrogados na fronteira do Canadá 

Mais de 60 dos viajantes tentavam regressar para casa nos EUA quando agentes da fronteira os detiveram para perguntas adicionais sobre suas opiniões e alianças políticas, de acordo com grupos de defesa e relatos de viajantes

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Por Zolan Kanno-Youngs , Mike Baker e Mariel Padilla
Atualização:

WASHINGTON- Dezenas de iranianos e iranianos-americanos ficaram detidos por horas na fronteira do Estado de Washington com o Canadá no fim de semana, quando o Departamento de Segurança Interna aumentou a segurança nos pontos de fronteira. A medida foi tomada após o Irã ameaçar retaliar os Estados Unidos pelo ataque que matou alguns de seus principais líderes militares, incluindo o general Qassim Suleimani.

Mais de 60 dos viajantes, muitos retornando de viagens de trabalho ou férias, tentavam regressar para casa nos Estados Unidos no sábado, quando agentes da fronteira em Blaine, Washington, os detiveram para perguntas adicionais sobre suas opiniões e alianças políticas, de acordo com grupos de defesa e relatos de viajantes.

Ponto de entrada nos EUA em Blaine, Washington, na fronteira com o Canadá Foto: Elaine Thompson/AP

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A maioria dos viajantes foi liberada após o interrogatório, de acordo com autoridades do governo, embora os advogados tenham dito que alguns tiveram sua entrada negada nos Estados Unidos.

Masih Fouladi, diretor-executivo do Conselho de Relações Islâmico-Americanas, uma organização muçulmana de defesa dos direitos civis, disse que alguns foram mantidos em uma sala de espera e interrogados por até 10 horas. Mais tarde, na noite de sábado, quando outros que haviam acabado de assistir a um concerto no Canadá de uma estrela pop iraniana tentavam voltar para os Estados Unidos, eles foram impedidos de entrar e receberam ordens para voltar mais tarde, disse Fouladi.

Quando uma família perguntou aos agentes por que estavam sendo interrogados, um oficial disse a eles: “É uma época ruim para ser iraniano”, segundo Fouladi, cujo grupo conversou com os viajantes.

“Esses relatórios são extremamente preocupantes e potencialmente constituem detenções ilegais de cidadãos dos Estados Unidos."

Matt Leas, porta-voz da Alfândega e Proteção de Fronteiras, contestou os relatos dos grupos de que o Departamento de Segurança Interna havia emitido uma diretiva para deter aqueles com herança iraniana que entram no país, apesar de seu status de cidadania.

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“São falsas as postagens de mídia social de que o CBP está detendo americanos iranianos e recusando sua entrada nos EUA por causa de seu país de origem”, disse Leas. Funcionários da agência aumentaram a segurança nos pontos de entrada de todo o país após a ameaça do Irã.

O tempo de processamento no ponto de entrada de Blaine aumentou em quatro horas, devido ao grande número de pessoas que entram e a falta de funcionários na temporada de férias, segundo a agência.

Embora os oficiais de fronteira não tenham permissão para fazer o que é conhecido como “triagem secundária” de questionamento com base apenas na origem nacional, é um dos vários fatores que devem ser levados em consideração, além de documentos de viagem, histórico de viagens ou comportamento suspeito quando escolhem quem enviar para um exame adicional. 

A iraniana-americana Negah Hekmati conta, em Seattle, que foi mantida por quase seis horas com seu marido e dois filhos em Blaine, ao retornar do Canadá Foto: Jovelle Tamayo/The New York Times

Tais encaminhamentos para exame extra acontecem diariamente. Gil Kerlikowske, ex-comissário de fronteira, disse que os agentes dão ênfase adicional no país de origem de um viajante quando esse país é selecionado como uma ameaça à segurança nacional.

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O Departamento de Segurança Interna fez exatamente isso no sábado, quando atualizou seu Sistema Consultivo Nacional de Terrorismo para alertar sobre a capacidade do Irã de retaliar os Estados Unidos por meio de terrorismo, ataques cibernéticos ou violência da parte de extremistas residentes no país.

O sistema de boletins, que não era atualizado desde julho, tem como meta incentivar a aplicação da lei e levar o público a denunciar atividades suspeitas.

“Se você fosse um cidadão iraniano retornando da Colúmbia Britânica, seria enviado para a análise secundária como resultado do aumento da tensão com esse país”, disse Kerlikowske. “Não seria o principal fator em muitos casos, mas certamente nesse caso em particular o país de origem seria o fator determinante."

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A Alfândega e a Proteção de Fronteiras não responderam às perguntas sobre se o país de origem dos viajantes teve algum fator no exame extra realizado no ponto de Blaine.

A detenção em larga escala de iranianos e americanos-iranianos parecia limitada a Blaine no domingo. Grupos de defesa disseram que nunca ouviram falar de incidentes semelhantes em aeroportos e outros pontos de entrada.

Os viajantes, alguns dos quais pediram que seus nomes completos não fossem publicados por medo de retaliação, disseram que, depois de checar seus documentos, os oficiais de fronteira os levaram para uma sala cheia de outros iranianos e iraniano-americanos.

Sepehr Ebrahimzadeh, de 33 anos, morador de Seattle, disse que estava voltando do Canadá na tarde de sábado com sua namorada depois de passarem uma semana fora da cidade durante as férias.

Com seu Green Card e um passe Nexus que permite processamento acelerado, Ebrahimzadeh não teve nenhum problema na fronteira nos últimos anos. Quando um oficial de fronteira encaminhou o casal para um exame adicional, ele suspeitou que era porque o veículo deles estava bagunçado com equipamentos de esportes de inverno.

Mas mudou de ideia quando estava dentro da instalação e notou pessoas de outras origens sendo processadas rapidamente, enquanto as pessoas de descendência iraniana ficaram esperando por horas.

Quando os agentes o interrogaram, eles perguntaram sobre os países que Ebrahimzadeh havia visitado nos últimos cinco anos, detalhes sobre os membros de sua família e se ele tinha antecedentes militares.

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Eles perguntaram detalhes sobre seu pai, que havia prestado serviço militar antes da Revolução Iraniana. Ebrahimzadeh disse que os agentes não questionaram sua namorada, Kathryn Teagarden, que não é descendente de iranianos.

Ebrahimzadeh disse em uma entrevista no domingo que a experiência evocou imagens de campos de internação japoneses e deixou temores de que os Estados Unidos pudessem se preparar para a guerra, fazendo uma batida contra qualquer descendente de iranianos. “Não é um pensamento agradável, mas também não parece um exagero”, disse ele.

Veto a países de maioria muçulmana

Nos últimos anos, a agência tem interrogado agressivamente os viajantes na fronteira e nos aeroportos depois das principais mudanças na política de segurança nacional, como a proibição do presidente Donald Trump a viajantes de sete países de maioria muçulmana.

O secretário de segurança interna da época, John F. Kelly, disse ao Congresso em 2017 que a agência havia apressado a implementação do programa, e o Escritório do Inspetor-Geral de Segurança Interna descobriu que os agentes eram agressivos demais ao impedir que passageiros embarcassem em aviões com destino aos Estados Unidos.

Os viajantes detidos em Blaine questionaram se a agência estava repetindo os mesmos erros após a ameaça do Irã de uma “vingança violenta” contra os Estados Unidos.

Matt Adams, diretor jurídico do Northwest Immigrant Rights Project, um grupo de serviços jurídicos sem fins lucrativos de Seattle envolvido em esforços para ajudar as pessoas retidas no domingo, disse que cidadãos dos EUA e residentes permanentes que nasceram no Irã ou estavam viajando com pessoas nascidos no Irã ainda estavam sendo selecionados no domingo, mas liberadas muito mais rapidamente do que na noite anterior.

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Adams disse que, além da detenção, temia que o governo pudesse usar esses interrogatórios como ferramentas para adivinhar o status de imigração das pessoas que estavam legalmente no país. “É uma tentativa de incriminar alguém”, disse ele. “Eles estão atrás de qualquer pessoa com herança iraniana.” / Tradução de Claudia Bozzo

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