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Após pacto com líder, revolta mata 5 no Iêmen

Manifestantes criticam acordo que dá imunidade judicial a presidente afastado e exigem julgamento

Por Adriana Carranca
Atualização:

A decisão do presidente do Iêmen, Ali Abdullah Saleh, de deixar o poder em troca de imunidade judicial não foi suficiente para acabar com os protestos e com a violência que assola o país. Ontem, milhares de iemenitas voltaram às ruas da capital, Sanaa, para pedir o julgamento do líder afastado. Cinco manifestantes foram mortos, supostamente por apoiadores de Saleh.

 

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"A maioria está feliz. Quem não estaria feliz com esse desfecho, após 33 anos de ditadura e 10 meses de caos?", disse ao Estado, por e-mail, Doyazan Ahmed Mohamed, de 30 anos, que participou das manifestações antigoverno, mas discorda dos novos protestos. "Tivemos uma noite de festa e todos fomos para as ruas celebrar. Houve tiros para o alto, em comemoração à saída do presidente. Mas ainda há insatisfeitos, com fome de sangue e de vingança." Ex-funcionário da companhia de telefonia móvel do Iêmen, a SabaFon, Mohamed está desempregado e, como a maioria dos seus amigos, sem acesso à comunicação por telefone desde junho, quando o presidente mandou cortar as linhas da empresa - 61% das ações da SabaFon pertencem a seu principal opositor, Hamid al-Ahmar. Ahmar é um dos homens que rejeitaram o acordo assinado na quarta-feira por Saleh na Arábia Saudita, com apoio dos EUA, incitando novos protestos. "O presidente cortou as linhas de telefone por razões políticas", disse Mohamed. "Já Ahmar é um egocêntrico, preocupado só em chegar ao poder. Se você olhar com cuidado para o que está ocorrendo no Iêmen, verá que grande parte do problema vem de uma disputa pessoal entre os dois."No acordo assinado, Saleh transfere o poder para o vice-presidente, Abd-Rabbu Mansour Hadi, e promete formar um novo governo de unidade nacional. A nomeação de um primeiro-ministro é esperada para os próximos dias. Ele deverá liderar a formação do governo interino, com poderes divididos entre o atual regime e a oposição, até a realização das eleições presidenciais, dentro de 90 dias. Parte dos opositores alega, porém, que os envolvidos no acordo são antigos aliados de Saleh. "É uma guerra por poder e nós estamos no meio", acredita Mohamed, que defende um governo federado. "Mas ainda temos um longo e incerto caminho pela frente rumo à estabilidade. Que Deus nos proteja."O líder da coalizão de opositores que assinou o acordo com Saleh, Abdullah Obal, disse ontem que pretende se reunir com manifestantes e discutir suas exigências. "O acordo não inviabiliza nem é contrário às demandas", disse Obal a jornalistas em Sanaa. "Protestar é um direito."Imunidade. Muitos ainda duvidam que o acordo significará o fim político de Saleh. E pedem que o ditador afastado seja julgado por crimes, que vão desde corrupção até morte de centenas de manifestantes durante os protestos ocorridos no rastro da Primavera Árabe. "Não à imunidade para o assassino", gritavam ontem manifestantes na capital e na cidade de Taiz, também tomada por protestos. Segundo testemunha, homens usando roupas civis surpreenderam os ativistas e dispararam contra eles na Rua Zubay, em Sanaa, matando pelo menos cinco. Outros atiraram pedras, exibindo cartazes com a foto do presidente."Homens leais ao governo abriram fogo de telhados, de dentro das lojas e de um carro em movimento", disse à Reuters Ibrahim Ali, de 22 anos, atendido em um hospital local após ser atingido no joelho. Segundo testemunhas, forças de segurança do governo se juntaram aos milicianos contra os manifestantes.Saleh é o quarto líder da região a deixar o poder após a onda de levantes que derrubou os regimes na Tunísia, no Egito e na Líbia. O Iêmen é o mais pobre país da Península Arábica e, desde o início dos protestos, há dez meses, sua já frágil economia estagnou, principalmente no setor do turismo. A miséria, a insatisfação com o governo e a falta de perspectivas dos iemenitas fizeram do país um campo de recrutamento da rede terrorista Al-Qaeda."Nós vamos continuar lutando até que Saleh seja julgado por todos os crimes que cometeu contra o povo na condição de chefe das forças de segurança", disse o ativista Bushra al-Maqtari, em Taiz, também atingida pela nova onda de protestos. 

 

COM REUTERS E AP

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