Na visita do presidente Barack Obama ao Vietnã, nos surpreendemos com o fato de que muitos cidadãos do país e dos EUA não terem lembranças de um conflito que causou a morte de mais de 58 mil americanos e de mais de 1 milhão de vietnamitas.
Como americanos que combateram nessa guerra, com frequência somos questionados sobre as lições oferecidas por ela. Não é fácil encontrar as respostas, em parte porque cada conflito é único e também porque aprendemos que tentativas para adotar lições passadas para crises novas às vezes significaram mais danos do que benefícios. Mas algumas coisas são claras.
A primeira não diz respeito a nós, pessoalmente, mas é um princípio que se aplica a todos que vestem o uniforme: jamais devemos confundir uma guerra com os combatentes. Os veteranos americanos merecem nosso mais profundo respeito, gratidão e apoio quando e onde servirem.
A segunda lição é que nossos líderes têm de ser honestos com o Congresso e com a população americana sobre planos, objetivos e estratégia quando a vida dos nossos homens e mulheres combatentes forem colocados em risco. A terceira é ter humildade para conhecer outras culturas. Durante a guerra no Sudeste Asiático, nem os aliados dos EUA nem os inimigos agiram segundo nossas expectativas.
Uma quarta e última lição do conflito: a de que, com esforço e vontade suficientes, diferenças aparentemente incontornáveis podem ser harmonizadas. O fato de Obama ser o terceiro presidente consecutivo dos EUA a visitar o Vietnã prova que velhos inimigos podem se tornar novos parceiros.
Como veteranos que tiveram a sorte de exercer um posto no governo, temos orgulho da nossa contribuição para a retomada das relações diplomáticas entre EUA e Vietnã. O processo foi árduo e exigiu plena cooperação de Hanói na busca de informações sobre americanos desaparecidos ou cujo paradeiro é desconhecido – esforço que continua ainda hoje.
Mas, mais de 20 anos após a normalização, quando elaboramos uma agenda para o Vietnã que fosse de longo alcance, as discussões de Obama com os vietnamitas abrangerão temas que se estendem da cooperação no âmbito da segurança ao comércio, investimento e educação, e questões ligadas a meio ambiente, liberdade religiosa e direitos humanos.
Essa ampla agenda reflete as mudanças em curso na relação. Há 20 anos, menos de 60 mil americanos visitavam anualmente o Vietnã. Hoje, são mais de meio milhão. Há 20 anos, nosso comércio bilateral era equivalente a apenas US$ 450 milhões. Hoje, é 100 vezes maior. Há 20 anos, havia menos de mil estudantes vietnamitas nos EUA. Hoje, são quase 19 mil.
Mais surpreendente ainda é o fato de o Politburo vietnamita hoje incluir duas pessoas formadas nos EUA com bolsas de estudo da Universidade Fullbright. Relevante, portanto, é que, nesta semana, uma nova instituição de ensino superior será inaugurada na cidade de Ho Chi Minh: a Universidade Fullbright do Vietnã. O senador Bob Kerrey orgulhosamente ocupa o cargo de presidente do conselho da universidade.
Há quase meio século, quando combatemos no Vietnã, jamais imaginamos que nosso país um dia viria a trabalhar com o governo de Hanói para salvar o delta do Rio Mekong, iniciativa para preservar seu ecossistema e enfrentar os efeitos da mudança climática. Jamais imaginamos que os dois países seriam parceiros em um acordo comercial emblemático, a Parceria Trans-Pacífico, cujo objetivo é aprimorar os padrões ambientais e trabalhistas e, ao mesmo tempo, expandir a prosperidade em nossos países e em toda a orla do Pacífico.
Seria ainda mais difícil imaginar que EUA e Vietnã um dia passariam a cooperar em assuntos ligados à segurança. Os EUA ajudaram a criar um novo centro de treinamento para o Exército Popular do Vietnã nos arredores de Hanói, onde os soldados vietnamitas serão preparados para servir em missões de paz da ONU.
Os Exércitos americano e vietnamita estão em contato frequente e nossos diplomatas se consultam regularmente sobre controvérsias envolvendo reivindicações concorrentes sobre o Mar do Sul da China. Nosso governo não toma partido quanto aos méritos legais dessas reivindicações, mas entendemos que a disputa deve ser solucionada pacificamente e com base na lei internacional, não unilateralmente por algum país almejando exercer hegemonia sobre seus vizinhos.
Naturalmente, EUA e Vietnã têm sistemas políticos distintos e enfoques diferentes com relação a algumas questões. Os direitos humanos, porém, são universais e deixamos claro para os líderes em Hanói nosso entendimento de que o Vietnã só alcançará seu pleno potencial se e quando sua população tiver direito de se manifestar livremente nas áreas da política, do trabalho, mídia e religião.
Em nossas visitas ao Vietnã ficamos impressionados com o entusiasmo dos cidadãos para tirar proveito da tecnologia e competir no mercado global. Estamos convencidos de que o governo do Vietnã não tem nada a perder e muito a ganhar confiando em seus cidadãos.
Pensando no futuro, sabemos que serão principalmente os interesses recíprocos que impulsionarão nossa parceria com o Vietnã. No entanto, ela também será fortalecida pelas afinidades naturais entre nossas sociedades, que abrangem os vínculos familiares, a propensão ao otimismo, o desejo de liberdade, de independência e o reconhecimento, fruto da experiência, de que a paz é melhor do que a guerra. / TRADUÇÃO DE TEREZINHA MARTINO * KERRY É SECRETÁRIO DE ESTADO. MCCAIN É SENADOR REPUBLICANO DO ARIZONA, PRESIDENTE DA COMISSÃO DE SERVIÇOS ARMADOS DO SENADO. KERREY É EX-SENADOR DEMOCRATA DE NEBRASKA