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Aproximando-se do Vietnã, mas lembrando de suas lições

Parceria com vietnamitas será fortalecida pelo desejo de liberdade e pelo reconhecimento de que a paz é melhor do que a guerra

Por John Kerry , John McCain e Bob Kerrey
Atualização:

Na visita do presidente Barack Obama ao Vietnã, nos surpreendemos com o fato de que muitos cidadãos do país e dos EUA não terem lembranças de um conflito que causou a morte de mais de 58 mil americanos e de mais de 1 milhão de vietnamitas.

Como americanos que combateram nessa guerra, com frequência somos questionados sobre as lições oferecidas por ela. Não é fácil encontrar as respostas, em parte porque cada conflito é único e também porque aprendemos que tentativas para adotar lições passadas para crises novas às vezes significaram mais danos do que benefícios. Mas algumas coisas são claras.

Soldado vietnamita hasteia bandeira em acampamento francês capturado emDien Bien Phu Foto: Reuters

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A primeira não diz respeito a nós, pessoalmente, mas é um princípio que se aplica a todos que vestem o uniforme: jamais devemos confundir uma guerra com os combatentes. Os veteranos americanos merecem nosso mais profundo respeito, gratidão e apoio quando e onde servirem.

A segunda lição é que nossos líderes têm de ser honestos com o Congresso e com a população americana sobre planos, objetivos e estratégia quando a vida dos nossos homens e mulheres combatentes forem colocados em risco. A terceira é ter humildade para conhecer outras culturas. Durante a guerra no Sudeste Asiático, nem os aliados dos EUA nem os inimigos agiram segundo nossas expectativas.

Uma quarta e última lição do conflito: a de que, com esforço e vontade suficientes, diferenças aparentemente incontornáveis podem ser harmonizadas. O fato de Obama ser o terceiro presidente consecutivo dos EUA a visitar o Vietnã prova que velhos inimigos podem se tornar novos parceiros.

Como veteranos que tiveram a sorte de exercer um posto no governo, temos orgulho da nossa contribuição para a retomada das relações diplomáticas entre EUA e Vietnã. O processo foi árduo e exigiu plena cooperação de Hanói na busca de informações sobre americanos desaparecidos ou cujo paradeiro é desconhecido – esforço que continua ainda hoje.

Mas, mais de 20 anos após a normalização, quando elaboramos uma agenda para o Vietnã que fosse de longo alcance, as discussões de Obama com os vietnamitas abrangerão temas que se estendem da cooperação no âmbito da segurança ao comércio, investimento e educação, e questões ligadas a meio ambiente, liberdade religiosa e direitos humanos.

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Essa ampla agenda reflete as mudanças em curso na relação. Há 20 anos, menos de 60 mil americanos visitavam anualmente o Vietnã. Hoje, são mais de meio milhão. Há 20 anos, nosso comércio bilateral era equivalente a apenas US$ 450 milhões. Hoje, é 100 vezes maior. Há 20 anos, havia menos de mil estudantes vietnamitas nos EUA. Hoje, são quase 19 mil.

Mais surpreendente ainda é o fato de o Politburo vietnamita hoje incluir duas pessoas formadas nos EUA com bolsas de estudo da Universidade Fullbright. Relevante, portanto, é que, nesta semana, uma nova instituição de ensino superior será inaugurada na cidade de Ho Chi Minh: a Universidade Fullbright do Vietnã. O senador Bob Kerrey orgulhosamente ocupa o cargo de presidente do conselho da universidade.

Há quase meio século, quando combatemos no Vietnã, jamais imaginamos que nosso país um dia viria a trabalhar com o governo de Hanói para salvar o delta do Rio Mekong, iniciativa para preservar seu ecossistema e enfrentar os efeitos da mudança climática. Jamais imaginamos que os dois países seriam parceiros em um acordo comercial emblemático, a Parceria Trans-Pacífico, cujo objetivo é aprimorar os padrões ambientais e trabalhistas e, ao mesmo tempo, expandir a prosperidade em nossos países e em toda a orla do Pacífico.

Seria ainda mais difícil imaginar que EUA e Vietnã um dia passariam a cooperar em assuntos ligados à segurança. Os EUA ajudaram a criar um novo centro de treinamento para o Exército Popular do Vietnã nos arredores de Hanói, onde os soldados vietnamitas serão preparados para servir em missões de paz da ONU.

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Os Exércitos americano e vietnamita estão em contato frequente e nossos diplomatas se consultam regularmente sobre controvérsias envolvendo reivindicações concorrentes sobre o Mar do Sul da China. Nosso governo não toma partido quanto aos méritos legais dessas reivindicações, mas entendemos que a disputa deve ser solucionada pacificamente e com base na lei internacional, não unilateralmente por algum país almejando exercer hegemonia sobre seus vizinhos.

Naturalmente, EUA e Vietnã têm sistemas políticos distintos e enfoques diferentes com relação a algumas questões. Os direitos humanos, porém, são universais e deixamos claro para os líderes em Hanói nosso entendimento de que o Vietnã só alcançará seu pleno potencial se e quando sua população tiver direito de se manifestar livremente nas áreas da política, do trabalho, mídia e religião. 

Em nossas visitas ao Vietnã ficamos impressionados com o entusiasmo dos cidadãos para tirar proveito da tecnologia e competir no mercado global. Estamos convencidos de que o governo do Vietnã não tem nada a perder e muito a ganhar confiando em seus cidadãos.

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Pensando no futuro, sabemos que serão principalmente os interesses recíprocos que impulsionarão nossa parceria com o Vietnã. No entanto, ela também será fortalecida pelas afinidades naturais entre nossas sociedades, que abrangem os vínculos familiares, a propensão ao otimismo, o desejo de liberdade, de independência e o reconhecimento, fruto da experiência, de que a paz é melhor do que a guerra. / TRADUÇÃO DE TEREZINHA MARTINO * KERRY É SECRETÁRIO DE ESTADO. MCCAIN É SENADOR REPUBLICANO DO ARIZONA, PRESIDENTE DA COMISSÃO DE SERVIÇOS ARMADOS DO SENADO. KERREY É EX-SENADOR DEMOCRATA DE NEBRASKA

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