Árabes são marginalizados no debate sobre a guerra

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Por Agencia Estado
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Líderes do Oriente Médio garantem que em breve vão decidir quando promoverão discussões sobre o Iraque, mas incertezas, até mesmo sobre a data de uma cúpula, ilustram o papel marginal que os Estados árabes, enfraquecidos por disputas internas e interesses conflitantes, desempenham na crise que provavelmente definirá o futuro da região. Segundo diplomatas, um encontro de chanceleres da Liga Árabe, promovido no Cairo este fim de semana para considerar um pedido do presidente egípcio, Hosni Mubarak, de uma cúpula de emergência, foi marcado por profundas divisões até mesmo sobre a agenda do encontro. O secretário-geral da Liga Árabe, Amr Moussa, acabou anunciando que serão necessárias mais consultas. Mubarak encontrou-se hoje com Bandar bin Sultan, o embaixador saudita em Washington. O presidente egípcio também reuniu-se com o enviado russo Andrei Vdovin. A Rússia tem sido uma determinada voz contra a guerra, no Conselho de Segurança da ONU. Mohamed Kamal, um cientista político da Universidade do Cairo, acredita que os líderes acabarão promovendo a reunião de cúpula, mesmo que seja apenas para mostrar a seus cidadãos que fizeram algo para evitar a guerra. "A opinião pública árabe quer que os líderes árabes façam algo", explicou ele. "Depois de tudo, o Iraque é um país árabe. Você não pode deixar que a crise seja resolvida pelos EUA, ONU, os países europeus, enquanto os países árabes ficam apenas olhando". Árabes têm expressado oposição a uma guerra liderada pelos EUA no Iraque em artigos na imprensa e em programas de tevê, mas não com imensas manifestações pacifistas como realizadas na Europa e nos Estados Unidos. Governos locais, que temem que protestos possam se tornar incontroláveis, têm reprimido ativistas e tomado outras medidas para controlar manifestações. No Egito, aqueles corajosos o suficiente para se manifestar se vêem diante de centenas de soldados das tropas de choque. Tal demonstração de força parece visar menos conter algumas centenas de pessoas se expressando pacificamente do que desencorarjar outros que consideravam participar - ou permitir que os protestos se transformem num referendo de rua em relação às políticas do governo. Uma democracia instalada pelos EUA em Bagdá poderia provocar campanhas pró-democracia em toda a região, hoje, no geral, controlada por monarquias ou ditaduras. Esta é apenas uma das formas como o mundo árabe pode ser afetado pelos ataques dos EUA contra o Iraque. Entre cenários mais sombrios sobre o futuro do Iraque está sua possível desintegração em feudos étnicos e religiosos, com a turbulência transbordando para países vizinhos. Ou árabes - talvez liderados por militantes oferecendo o Islã como solução - poderiam se levantar contra líderes que eles vêem como fazendo pouco para impedir que os EUA invadam o Iraque apenas para, segundo eles, se apoderar de suas reservas de petróleo e controlar ainda mais a região. O Egito e a Arábia Saudita foram moderados-chave na reunião de chanceleres, argumentando que a cúpula deveria tanto pressionar o presidente iraquiano, Saddam Hussein, a fazer mais para evitar a guerra, como exortar o aliado deles, EUA, a dar mais tempo aos inspetores de armas. Linhas-duras como Síria e Líbia - cujo líder Muammar Khadafi já repudiou a proposta de cúpula por considerá-la apenas uma tentativa de salvar as aparências - insistiram que todos deveriam se unir em torno de um Estado árabe e dirigirem sua munição verbal apenas contra Washington. A Síria propôs, no domingo, um esboço de resolução exortando os Estados árabes a "absterem-se de oferecer qualquer assistência ou instalação a qualquer operação militar que possa ameaçar a segurança e integridade territorial do Iraque". Estados do Golfo Pérsico, como o Kuwait, salvo por uma coalizão liderada pelos EUA depois de ter sido invadido pelo Iraque em 1990, e o Catar, já ofereceram seus territórios como base para tropas dos EUA que se preparam para uma possível invasão. Refletindo sua desconfiança em relação a Saddam, o Omã, os Emirados Árabes Unidos e o Barein começaram a enviar tropas e equipamentos para ajudar o Kuwait a se defender de um possível ataque iraquiano, caso as forças dos EUA bombardeiem Bagdá. Mohammed Al-Misfir, um cientista político da Universidade de Catar, disse que Estados árabes próximos aos EUA podem ter mais influência por intermédio de contatos bilaterais com Washington do que através da Liga Árabe. "Se os líderes árabes quiserem ajudar a eles mesmos, ajudar o Iraque, ajudar seus amigos em Washington, eles deveriam dizer com franqueza aos americanos: ´Não aceitaremos uma guerra contra o Iraque´ ", considerou Al-Misfir. "Acredito que os americanos, se foram sábios o suficiente, vão ouvir seus amigos". Khaled Batarfi, editor do diário saudita Al-Madina, acredita que a esperança está em outro lugar. "Espero que a voz do povo, especialmente nos Estados Unidos, vá fazer com que a administração (dos EUA) fique relutante em ir à guerra", disse. "Também sinto que a disposição de veto (no Conselho de Segurança da ONU) da França, Rússia e China fará a administração ter receio de ir à guerra sem uma cobertura legal". Para Batarfi, os árabes estão enfraquecidos e desunidos demais para influenciar eventos mundiais. "Primeiro, eles não estão unidos e não têm estado unidos pelos últimos 50 anos", explicou. "Segundo, existe esta dependência dos outros - viajamos em carros que não fabricamos, vestimos roupas que não fazemos, comemos alimentos importados de todo o mundo. Então, como podemos ter idéias independentes?"

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