BUENOS AIRES - A cúpula do governo argentino foi questionada ontem sobre o impacto da crise política brasileira na região e ligou seu distanciamento do iminente afastamento da presidente Dilma Roussef a um diálogo permanente com o Itamaraty.
Em uma entrevista a correspondentes estrangeiros na Quinta de Olivos, residência oficial, o presidente argentino, Mauricio Macri, e o chefe de Gabinete, Marcos Peña, mencionaram o contato permanente com a diplomacia brasileira para evitar posicionar-se sobre possível punição em blocos como o Mercosul e a União de Nações Sul-americanas (Unasul) em caso de interrupção do mandato de Dilma via impeachment.
“O Brasil vai resolver seus conflitos. Espero que possamos levar adiante uma relação com quem estiver no poder. Uma relação para os próximos 20 anos e não só para os próximos anos”, disse Macri. Ele argumentou que embora o governo de Cristina Kirchner tivesse “proximidade política” com Dilma, “não havia entendimento em relação a gestão”.
Diante da iminência de lidar com um novo governo no Brasil e sobre a relação que teria com o vice Michel Temer, Macri afirmou “não querer se adiantar aos fatos” e disse estar contato frequente com a chancelaria brasileira.
Questionado se o processo de julgamento da presidente no Congesso brasileiro feria a democracia, o que poderia justificar uma suspensão do país do Mercosul e da Unasul, Macri passou a palavra a Peña, seu principal ministro.
“Qualquer um pode expressar sua opinião sobre o que ocorre no Brasil, mas como governo devemos manter distância. Há um processo institucional em marcha e corresponde às instituições brasileiras”, disse Peña. “E tomamos essa decisão não só pelo diálogo com a nossa diplomacia, mas também com o Itamaraty, que, pelo que entendo, considera institucional o processo em curso.”
Ele concluiu deixando aberta a janela para uma discussão sobre a legitimidade do processo “em outro momento”, no caso de aparecerem novos elementos. Em visita aos EUA, Dilma fez referência a possíveis punições que o País poderia receber dos blocos regionais caso se concretizasse seu afastamento.
A alusão de Macri e de Peña a uma posição cautelosa do Itamaraty reforça o que o embaixador Frederico Meyer, porta-voz do Itamaraty, afirmou há um mês ao Estado. Ele disse então que não houve “ruptura democrática” no Brasil que justificasse uma sanção ao País no Mercosul. Em março, a chanceler argentina, Susana Macorra, afirmou que o Mercosul discutia a convocação de uma reunião de emergência do bloco para apoiar o governo brasileiro e analisar eventual punição em caso de impeachment de Dilma.
De acordo com Meyer, a chamada cláusula democrática, usada para suspender o Paraguai em 2012, só pode ser aplicada se houver violação à democracia, e isso não ocorreu no Brasil. “No Brasil, que eu saiba, não houve nada que justificasse ou se pudesse atribuir a uma ruptura democrática”, afirmou. O integrante da cúpula do Itamaraty acrescentou que, no caso paraguaio, a suspensão foi aplicada após impeachment relâmpago sofrido por Fernando Lugo.
Venezuela. Macri abandonou o tom cauteloso adotado durante a entrevista sobre a política dos vizinhos quando falou sobre Venezuela. “A situação esta muito pior do que estava há alguns meses, quando já me preocupava. Faltam medicamentos e produtos básicos. Estaremos aqui para defender os direitos humanos, os direitos dos venezuelanos”, disse Macri. Sua primeira ação em política externa foi pedir a punição da Venezuela no Mercosul para pressionar pela libertação de presos políticos.
Macri recuou em sua ofensiva após Nicolás Maduro reconhecer a vitória da oposição venezuelana nas eleições parlamentares de 6 de dezembro. Em relação ao impeachment de Lugo, seu grupo político, então na oposição a Cristina Kirchner, considerou o processo normal e foi contra a suspensão de Assunção do Mercosul e da Unasul.
O Paraguai, governado por Horacio Cartes, de uma coalizão de centro-direita como Macri, é hoje o principal aliado argentino na pressão à Venezuela. A diplomacia paraguaia deu sinais reiterados de que não apoiaria uma punição ao Brasil com base no uso de cláusulas democráticas. Como qualquer sanção desse tipo deve ser unânime, a possibilidade da sanção cogita por Dilma ocorrer é remota.