'Argentina se prejudica com medidas ilegais', diz governador das Malvinas

Representante oficial da Rainha Elizabeth II nas Malvinas, Nigel Haywood tem em seu currículo extensa experiência como diplomata britânico. Aos 56 anos, já foi cônsul-geral do Reino Unido em Basra, no Iraque, embaixador na Estônia e chefiou a delegação britânica junto à Organização para Segurança e Cooperação na Europa (OSCE), em Viena. Recipiente da condecoração de Cavaleiro da Ordem Real Vitoriana, foi indicado ao posto de Governador das Malvinas em outubro de 2010. Haywood  vive no arquipélago desde então e, por telefone, concedeu por telefone a seguinte entrevista ao estadão.com.br.

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Por Solly Boussidan
Atualização:

 

estadão.com.br: Em sua opinião qual é o impacto do endurecimento da retórica argentina nas Malvinas e nas relações com o Reino Unido?

 

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Nigel Haywood: Não há um impacto que particularmente não gostemos. O principal efeito é aumentar a tensão aqui e o discurso da Argentina com nossos vizinhos – o Chile, o Uruguai e o Brasil. É uma tentativa de tornar a vida mais difícil para nós de diversas maneiras. Dito isto, é importante ressaltar que estamos tentando tocar nosso desenvolvimento econômico, social e político, incluindo diversificar mais nossa economia e a atitude argentina gera distração de nossas prioridades, o que não é bem-vindo. Mesmo assim, não tira nosso foco do que é prioridade.

 

estadão..com.br: Como vocês têm tentado diversificar a economia das ilhas? O que está sendo feito diferentemente do que já foi feito?

 

Nigel Haywood: Uma parte significativa de nossa economia é dependente da pesca, especialmente de lula – uma fatia que varia de 60% a 65%. A pesca de lula é muito volátil e sabemos que a Argentina está abrindo sua temporada de pesca do molusco com dois meses de antecedência. Como não temos como conversar com eles sobre pesca comercial, não temos como saber que impacto isto terá em nossa indústria. Isso nos faz perceber a necessidade de olhar para outras áreas. Energia hidráulica é uma área clara para nós, mas há outras áreas que podemos desenvolver também. Turismo, especialmente de baixo-volume e alto-custo é algo que estamos olhando. Temos oportunidade de explorar ecoturismo e turismo de aventura.

 

Queremos também tornar nossa economia mais baseada no conhecimento. Temos uma força de trabalho altamente educada, que deixa o sistema educacional da ilha aos 16 anos de idade e parte para educação universitária na Nova Zelândia, Reino Unido ou na América do Sul. Queremos que essas pessoas retornem e tenham trabalhos de verdade, usando suas habilidades de forma empreendedora. Áreas relacionadas às ciências provavelmente impulsionarão isso. O meio-ambiente aqui é muito rico em áreas de estudo em potencial, que podem ter impacto econômico. Por exemplo, 40% da energia utilizada em Stanley é obtida por geração eólica. Esse é o tipo de desafios que enfrentamos e que cremos que a longo prazo podem ser exportados para outros locais.

 

estadão.com.br: A grande maioria dos turistas que chegam às Malvinas atualmente vem em cruzeiros e passa poucas horas nas ilhas sem necessariamente injetar dinheiro na economia. Atualmente há apenas um voo comercial por semana que liga Stanley ao Chile. Como aumentar o fluxo turístico para as ilhas?

 

Nigel Haywood: Esse é um assunto que eu poderia discutir por uma hora e é uma questão fundamental para nós. Há três espécies de turismo que creio que serão fundamentais para nós no futuro. No momento, temos grandes navios de cruzeiro que visitam as Malvinas. As pessoas desembarcam na ilha por algumas horas e partem em seguida. Isso é importante, pois não nos traz muito dinheiro mas aumenta o número de pessoas que conhecem a ilha e que passam a conseguir explicar pelo mundo que a versão argentina sobre nós é, no melhor dos casos, enganosa. Podemos utilizar esse tipo de turismo para desenvolver outras áreas, como ter cruzeiros com as Malvinas como ponto de chegada ou partida, no qual os passageiros tomariam voos e ficariam alguns dias aqui antes da partida do cruzeiro ou ao seu final. Fazíamos isso com sucesso até a Argentina fechar seu espaço aéreo para os voos fretados que chegavam ou partiam daqui, mas os cruzeiros podem incentivar um maior número de ligações aéreas.

 

O segundo tipo de turismo está relacionado aos barcos de expedição que são os únicos autorizado a seguir até as ilhas Geórgia do Sul. Esses barcos geralmente permanecem mais dias aqui e realizam visitas a ilhas mais remotas e atividades de aventura ou pesquisa e teriam uma função similar ao turismo de cruzeiros. O item mais importante a ser desenvolvido seria o turismo terrestre, no qual as pessoas se hospedariam nas ilhas. Há muito a ser feito nessa área – não temos a capacidade hoteleira, pois não temos voos e não temos voos porque não temos hotéis. É um círculo vicioso. Temos extremo apreço e a clara intenção de mantermos o voo semanal para o Chile – entre 8% e 10% de nossa população é chilena e esses voos são importantes também para o transporte de mercadorias. Nossa estratégia no entanto é conseguir acesso a um aeroporto que seja hub internacional. Pessoalmente – e meu sonho – seria conseguirmos uma ligação aérea entre as ilhas e São Paulo, de onde você pode ir a qualquer lugar da América do Sul ou do planeta.

 

Além disso, seria ótimo poder atrair um grande número de turistas brasileiros para as ilhas. Estamos verificando essa possibilidade. Além do desafio político, resta saber que tipo de pressão a Argentina colocaria sobre um investidor que decidisse realizar a rota.

 

estadão.com.br: A Argentina diz querer negociar uma solução para as Malvinas, mas a maioria dos habitantes das ilhas diz que eles ignoram os desejos dos moradores e preferem levar a questão diretamente a Londres. Há alguma solução possível além do status quo que seria aceitável para o Reino Unido e os habitantes das Malvinas,  que fosse atrativa ou pelo menos apaziguasse os anseios argentinos?

 

Nigel Haywood: Em primeiro lugar, o que a Argentina quer é negociar a transferência das ilhas para eles pela Grã-Bretanha. Isso é o que está escrito na constituição argentina. É algo ilógico. Eles não querem uma negociação, mas sim que o Reino Unido transfira a ilha para eles sem levar em consideração a população das Malvinas. Nossa posição é muito clara de que não negociaremos isso até o momento em que a população local queira isso. Essa é nossa obrigação de acordo com os preceitos da ONU em respeitar o desejo dos povos para a autodeterminação. A Grã-Bretanha é absolutamente firme em seu apoio ao povo das Malvinas poder decidir sob qual tipo de governo querem viver. Ficamos bastante desapontados que o resto do mundo não aceite a consequência natural da carta da ONU firmada por todos. Dito isto, há outras coisas que podemos realizar conjuntamente.

 

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Em 1999, tínhamos um acordo com a Argentina que envolvia vários assuntos pertinentes a nós e à região, sem colocar questões de soberania em discussão e do mesmo modo que mantemos ligações com quase todos os outros países da América do Sul. É o caso do Brasil, por exemplo, onde aceitamos, apesar de não entendermos de verdade que há uma divergência de opiniões sobre as Malvinas. Colocamos essas diferenças de lado e seguimos em frente com o que é possível. Se a Argentina diminuísse a tensão, poderíamos cooperar em um número de questões, ainda que discordássemos em outros assuntos. A lógica atual da Argentina não leva a nenhum lugar.

 

Não há possibilidade de a Grã-Bretanha negociar a transferência de soberania das ilhas sem que os habitantes das Malvinas possam expressar seus desejos em relação a isso. Fica difícil ver como podemos negociar o status da ilha já que todos tem posições irrevogáveis sobre o assunto. Podemos, sim, colocar nossas diferenças de lado e discutir assuntos de importância regional.

 

estadão.com.br: Qual o impacto atual da política argentina de dificultar a passagem por suas águas de embarcações comerciais rumo às Malvinas?

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Nigel Haywood: Simplesmente torna tudo um pouquinho mais difícil e o preço das mercadorias um pouco mais caro. A Argentina está tentando adicionar uma grau de incerteza à vida nas ilhas e até certo ponto está tendo sucesso nisso. No fim das contas o povo das Malvinas é corajoso e obstinado. As pessoas aceitam que isso é parte da vida aqui e tocam em frente. Creio que a Argentina prejudica mais a si mesma com estas medidas que são ilegais de acordo com as leis internacionais. Como resultado, qualquer chance que eles tinham de ter boas relações com as Malvinas se torna cada vez mais difícil. É uma atitude de mentes muito pouco abertas, ao que me parece.

 

estadão.com.br: Com relação a outros países da América do Sul, em especial o Brasil, quais as perspectivas de maior cooperação comercial e ligações políticas? Há canais mais abertos à cooperação desde que o governo de Dilma Rousseff assumiu o poder no Brasil em 2011?

 

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Nigel Haywood: Gostaria de deixar bastante claro que as Malvinas estão de portas abertas para realizar negócios e cooperar com os países da região. Queremos trocas políticas com a América do Sul e o mundo. Ficamos muito encorajados, por exemplo, com a vinda de uma delegação uruguaia em janeiro e com a troca de experiências especialmente no campo de agricultura. Temos ligações comerciais que gostaríamos de aumentar especialmente com o Brasil e o Chile. Politicamente, as coisas são muito mais difíceis porque esses governos não recebem representantes das Malvinas, já que estão alinhados à posição da Argentina. Isso causa certo estranhamento pois é como se esses governos fingissem que nós não existíssemos, quando nós temos plena certeza de nossa existência.

 

As Malvinas são um dos locais mais extremamente democráticos que se pode imaginar. Temos oito representantes eleitos diretamente e não há partidos políticos. São oito pessoas de mente bastante independente, que trabalham arduamente para atingir o consenso em assuntos que têm um impacto na ilha. Eles viajam bastante para a América do Norte, o Caribe e a União Europeia, onde conversam com políticos e conseguem transmitir a posição das Malvinas e como as ilhas são na realidade e não apenas do modo como a Argentina diz que elas são.

 

É triste para mim que não haja essa mesma abertura nos governos da América Latina. Como governador das ilhas, se eu viajo a algum dos países da região não recebo nenhuma ligação oficial. Me parece tolo fingir que não estamos aqui. Se outros países querem, assim como nós, diminuir o nível de tensão, eles certamente deveriam tentar escutar ambos os lados em vez de simplesmente aceitar qualquer versão inventada pela Argentina. Se você está tentando avançar e adotar posições internacionais, qual o sentido de ir somente até a Argentina? Pelo menos converse com representantes das ilhas – venham até as ilhas.

 

Daríamos as boas-vindas a representantes brasileiros que quisessem vir até as Malvinas ver com seus próprios olhos e com mentes abertas como é a situação real aqui, saudaríamos essa atitude e seria maravilhoso. No momento, parece que ainda estamos um pouco distantes disso. Espero que em algum momento o bom senso prevaleça e que as pessoas percebam que seguir apenas um lado, que adota cada vez mais frequentemente medidas ilegais, não é a melhor maneira de manter a paz em nossa região.

 

estadão.com.br: Durante anos o Sr. foi diplomata britânico e serviu na Ásia, no Oriente Médio e na Europa. Como foi assumir o posto de Governador há pouco menos de dois anos e se mudar para uma região tão remota?

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Nigel Haywood: As Malvinas são fantásticas. Sou originário da Cornualha, uma região cercada pelo mar e com muito vento. É uma comunidade pequena assim como nas Malvinas. O que realmente é diferente aqui é que meu trabalho é muito mais político. Se você é embaixador, você mantém contatos com ministros e empresários. Aqui sou acessível a qualquer pessoa. Sou parte do time que governa a ilha, a posição do governador absoluto nas ilhas deixou de existir nos anos 1950 e 1960.

 

Trabalho de maneira muito próxima aos representantes eleitos para avançar internacionalmente questões que eles consideram importantes. Algumas das medidas que estamos tomando em termos de proteção ambiental e pesca sustentável, por exemplo, são pioneiras no mundo. Podemos ser pequenos e pouco conhecidos da maior parte das pessoas, mas há muito acontecendo por aqui e creio que os outros também têm coisas a aprender conosco.

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