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Artigo: A concretização dos medos em um ano violento

Na Turquia e na Alemanha, ataques brutais insinuam que o terrorismo é o ‘novo normal’ em sociedades antes abertas como a alemã

Por TIM ARANGO
Atualização:

Um homem bem barbeado e garboso em seu terno escuro mostra o distintivo de policial para entrar no mais tranquilo dos eventos – uma exposição de fotos. Então, saca a pistola e mata um embaixador em pleno bairro diplomático da capital turca, Ancara.

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Em Berlim, à sombra de uma grande igreja que ainda exibe cicatrizes de bombas da 2.ª Guerra, um homem investe com o caminhão numa feira natalina, matando 12.

Os dois ataques ocorreram na segunda-feira, no fim de um ano em que a metástase das guerras do Oriente Médio se espalhou pela Europa semeando terrorismo, chocando a população e alimentando movimentos políticos de extrema direita. As ações podem ter sido diferentes em estilo, mas cada uma mostrou, a seu modo, uma nova era de terror nascida da expansão de guerras que desafiam esforços internacionais para encerrá-las.

Um policial turco assassinouo embaixador russo em Ancara, Andrei Karlov, no fim de dezembro com tiros pelas costas em uma galeria de arte.Mevlut Mert Altintas, de 22 anos, disparou nove vezes contra o diplomata e gritou em turco: “Não se esqueça de Alepo, não se esqueça da Síria. Enquanto os habitantes não estiverem em segurança, vocês também não estarão”. Pouco depois, o agente foi morto por forças de segurança turcas Foto: AP Photo/Burhan Ozbilici

Para a Turquia, o assassinato do embaixador russo Andrei Karlov foi o fecho sinistro do ano mais violento da história moderna do país, com ataques terroristas tornando-se acontecimentos da vida diária. Neste ano, um golpe fracassado deu lugar a um expurgo na sociedade civil e uma guerra contra separatistas curdos vem assumindo níveis crescentes de brutalidade.

Para a Alemanha, o ataque foi a concretização do medo de que o país seria a próxima vítima. O futuro se mostra preocupante: com a ameaça terrorista virando realidade, cresce o temor de que a Alemanha, que recebeu bem os refugiados, veja sua política ameaçada pela ascensão do populismo de direita.

A morte do embaixador na Turquia, capturada em vídeo, foi uma exibição coreografada de precisão e determinação, com o assassino se movimentando e brandindo a arma, informando que a ação era vingança pelos bombardeios russos na cidade síria de Alepo. O atentado da Alemanha ainda precisa ser esclarecido.

Sombra. Em seu apartamento em Berlim, Can Dundar, conhecido editor turco de jornais, assistia à cobertura dos dois eventos em dois aparelhos de TV, enquanto o terror deitava garras em seu país de nascimento e no de adoção. Dundar mudou-se para a Alemanha para escapar da prisão após ser condenado por traição num tribunal turco, pela publicação de um artigo sobre o apoio da Turquia a rebeldes sírios.

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Um caminhão invadiu o mercado natalino a céu aberto montado na Breitscheidplatz, em Berlim, nesta segunda-feira, 19, e atropelou pedestres que faziam compras no local A polícia confirmou que ao menos nove pessoas morreram e 50 ficaram feridas. O caso é investigado como atentado. Foto: AFP Photo/Odd Andersen

“Não consigo me livrar, esses distúrbios me perseguem”, disse. Segundo o jornalista, todas as pessoas com quem conversou na Alemanha estavam esperando um ataque do gênero. “Dava para sentir a tensão, pois Berlim ainda não havia sido atacada.”

O atirador de Ancara, que gritou slogans jihadistas, foi identificado como um policial fora de serviço. O governo turco afirmou que ele seria ligado a Fethullah Gulen, clérigo exilado nos EUA que foi acusado de orquestrar a tentativa de golpe deste ano. Analistas descartaram a hipótese, considerando mais provável que o atirador tivesse conexões com grupos da Síria ou fosse um “lobo solitário”.

A Turquia pode estar acostumada a ataques terroristas frequentes, mas a Alemanha não está. A ameaça terrorista numa sociedade aberta como a alemã pode ter efeitos profundos.

“Como francês, meu primeiro pensamento foi ‘é Nice de novo’”, disse Marc Pierini, ex-embaixador da União Europeia na Turquia e hoje professor visitante na Carnegie Europe. Ele se referia ao ataque na França, quando um homem jogou um caminhão sobre a multidão numa rua de pedestres, matando mais de 80 pessoas.“Somos sociedades abertas. A Europa Ocidental não é Israel, onde tudo está protegido.” Os europeus, disse ele, “aos poucos se dão conta de que o terrorismo é a nova normalidade”.

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Turquia e Alemanha vêm discordando sobre vários pontos, incluindo um acordo para reduzir o fluxo de migrantes e a oposição alemã ao expurgo na Turquia após o fracassado golpe. Mas os dois países atuam juntos de outros modos. Há décadas, milhares de turcos trabalham na Alemanha, e, mais recentemente, intelectuais e outros pediram asilo no país para escapar do crescente autoritarismo na Turquia.

Tulin Yazici, uma intelectual turco-germânica, voltou a morar em Frankfurt, onde nasceu, depois que o governo turco passou a perseguir intelectuais. “Istambul era o lugar em que mais me sentia em casa”, disse Tulin. “Fiz minha carreira lá, casei, tive filhos. Mas após a tentativa de golpe o país fugiu de controle e o medo ficou cada vez mais próximo.” / TRADUÇÃO DE ROBERTO MUNIZ

* É JORNALISTA

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