Artigo: A crise do Mercosul é a crise da integração regional

Controvérsia no principal bloco da região é compartilhada por outras entidades e reflete fracasso de projeto bolivariano

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Por Carlos Malamud - Infolatam
Atualização:

O Mercado Comum do Cone Sul (Mercosul) não encontra meios de sair da crise que atravessa, referente à presidência semestral rotativa. Não apenas isso: os governos de seus países-membros continuam sem dar respostas adequadas ao profundo atoleiro em que se encontram. Há três semanas, comparávamos a crise do Mercosul à situação, muito mais esperançosa, que vive a Aliança do Pacífico. 

Na verdade, a delicada conjuntura do Mercosul é compartilhada pela União das Nações Sul-Americanas (Unasul), a Comunidade de Estados Latino-Americanos e Caribenhos (Celac) e a Aliança Bolivariana de Nações (Alba) e reflete bem a decadência do projeto de integração bolivariano. 

Hugo Chávez Foto: Reuters

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No caso do Mercosul, há vários problemas que incidem no atual estado de coisas, mas todos eles respondem às mesmas premissas que têm servido para contextualizar a presença da América Latina no mundo globalizado: a relação com as principais potências ocidentais, começando com Estados Unidos e União Europeia (UE); o papel do comércio internacional no crescimento dos países; a participação do Estado nas economias nacionais; e o excessivo protagonismo presidencial na definição da política exterior. 

Esse último ponto tornou possível o início do trâmite de incorporação, em finais de 2005, da Venezuela no Mercosul, num processo marcado pela improvisação e voluntarismo do então presidente venezuelano, Hugo Chávez. Isso foi facilitado pelos parceiros de então: os presidentes Néstor Kirchner (da Argentina), Luiz Inácio Lula da Silva (da Brasil), Nicanor Duarte Frutos (da Paraguai) e Tabaré Vázquez (da Uruguai). O trâmite demorou bastante em consequência da oposição do Parlamento paraguaio e do Senado brasileiro, além da reiterada recusa do governo venezuelano em respeitar os consequentes compromissos de adequação de sua legislação comercial às regras do Mercosul. 

Embora em 2012, aproveitando a suspensão do Paraguai da organização (causada pelas suspeitas levantadas pelos demais países-membros sobre o processo que levou à destituição do presidente esquerdista Fernando Lugo), o ingresso da Venezuela se tenha concretizado, em nenhum momento ficou clara a vontade venezuelana de mudar as leis e regulamentos do bloco, nem tampouco de o país se comportar como membro responsável do Mercosul. 

O que está claro é que hoje se paga pelos erros do passado. Insistindo neles, em julho de 2015 os já cinco membros aprovaram a incorporação da Bolívia. Em nenhum dos dois casos se discutiu o projeto global do bloco, nem se as economias dos novos países eram ou não compatíveis com seu funcionamento interno. 

Quando houve algumas mudanças de governo, a concepção dominante de entender a integração regional foi para o espaço. Isso ocorreu porque em todos estes anos a ideologia e as afinidades políticas tinham prevalecido sobre os interesses nacionais.

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Agora, os novos presidentes da Argentina, Brasil e Paraguai decidiram não mais se curvar ao chavismo, ou ao menos não tolerar mais seus permanentes questionamentos políticos de tudo aquilo que exceda os rígidos parâmetros bolivarianos de integração. Pretende-se reconduzir a integração segundo premissas diferentes, mesmo que os interessados ainda não tenham a força necessária. Esse estado de coisas ocorre paralelamente ao empenho venezuelano de impor a todo custo sua presidência. Com o objetivo de aparecer como vítima perante a opinião pública do país, a Venezuela começou a difundir a ideia de que é tudo um complô da direita regional, ajudada pelos EUA.

Termos grosseiros. A chancelaria venezuelana até já denunciou a criação de uma “tríplice aliança”, agora formada por Argentina, Brasil e Paraguai, com a intenção de “reeditar uma espécie de Operação Condor (a cooperação repressora entre os países do Cone Sul durante o período de ditaduras militares das décadas de 70 e 80) contra a Venezuela, fustigando e criminalizando seu modelo de desenvolvimento e democracia – agressão que não se detém nem frente à destruição da institucionalidade e legalidade do Mercosul”.

A comparação, grosseira e anti-histórica, dos atuais governos democráticos dos referidos países com as ditaduras militares dos anos 1970 se agrava com a tentativa de vincular o Paraguai à Tríplice Aliança.

Ocorre que, na guerra de 1864-1870, o Paraguai foi vítima e não agressor do bloco bélico formado pela Argentina, Brasil e Uruguai. 

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O governo uruguaio se empenha em manter a legalidade do Mercosul – que prevê a entrega da presidência do bloco à Venezuela, obedecendo ordem alfabética), enquanto Argentina, Brasil e Paraguai se opõem à liderança venezuelana, embora não se atrevam a aplicar a Carta Democrática da organização ou a questionar a participação da Venezuela dado seu não cumprimento das normas comunitárias. A isso se soma o temor do bloqueio que uma presidência venezuelana possa impor à negociação do Tratado de Associação e Livre-Comércio com a União Europeia. Em grande parte, a crise venezuelana está por trás da paralisia que afeta o funcionamento tanto da Unasul quanto da Celac. 

Há uma situação de bloqueio que impede manter as políticas do passado e impulsionar as mudanças a que alguns aspiram. As decisões irresponsáveis dos últimos 15 anos estão mandando a conta, sem que haja nenhum plano elaborado e coerente para reverter tão lamentável estado de coisas. / TRADUÇÃO DE ROBERTO MUNIZ *PESQUISADOR PARA AMÉRICA LATINA E COMUNIDADE IBERO-AMERICANA DO REAL INSTITUTO ELCANO DE ESTUDOS INTERNACIONAIS E ESTRATÉGICOS.

PUBLICADO SOB LICENÇA DA INFOLATAM

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