Artigo: Biden quer provar que o governo pode fazer mais

Presidente aposta que seu plano de US$ 2 trilhões fará a economia girar de modo mais eficiente do que as forças de mercado

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Por David E. Sanger
Atualização:

Há 40 anos, em seu discurso de posse, o presidente Ronald Reagan afirmou que “o governo não é a solução para nossos problemas, o governo é o problema”. O plano de infraestrutura apresentado na quarta-feira pelo presidente Joe Biden – US$ 2 trilhões de investimento federal a serem aplicados em estações de recarga de carros elétricos, inteligência artificial e engenharia social – é uma aposta de que o governo pode fazer coisas colossais que o setor privado não consegue.

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De fato, quando a tão aguardada “semana da infraestrutura” finalmente chegou a Washington, ela acabou abarcando muito mais do que apenas a construção de novas estradas e a substituição das antigas tubulações de chumbo. Impelido pela ala esquerda do seu Partido Democrata, e lembrado pelos historiadores que os presidentes Franklin D. Roosevelt e Lyndon Johnson procuraram fazer coisas em grande escala, Biden usa seu novo programa de reconstrução de rodovias e pontes que estão desmoronando para reformar a economia americana e se concentrar mais em problemas de longo alcance como a mudança climática e a desigualdade.

Serão necessários anos para saber se a proposta de Biden terá o poder duradouro de iniciativas como o New Deal ou a Great Society, ou se conseguirá “mudar o paradigma”, como ele afirmou há algumas semanas.

Rodovias em Maryland; Biden quer reformar estradas, pontes e vias férreas para criar empregos Foto: Jim Lo Scalzo/EFE/EPA

Mas já está claro que seu plano tem como base uma aposta de que o país está disposto a renunciar a um dos principais pilares da revolução Reagan, e mostrar que, no caso de algumas incumbências, o governo conseguirá fazer girar a economia de modo mais eficiente do que as forças de mercado. Biden também aposta que o trauma da pandemia do coronavírus e as desigualdades sociais e raciais que ela acentuou mudaram o centro de gravidade político do país.

Democracia

O plano apresentado por ele se ajusta à sua declaração feita na semana passada de que “temos de provar que a democracia funciona”, um reconhecimento de que a decisão do governo chinês de subsidiar “campeões nacionais” como a gigante das telecomunicações Huawei e injetar bilhões de dólares em tecnologias-chave como a inteligência artificial, está atraindo imitadores. Biden, segundo seus assessores, sente que é preciso haver competição para provar que o capitalismo democrático funciona.

Na semana passada, ele definiu a competição como “uma batalha entre a utilidade das democracias no século 21 e as autocracias”, frase que repetiu num discurso em Pittsburgh na quarta-feira. Mas aí foi mais longe, dizendo que “existem muitos autocratas no mundo” – referindo-se claramente aos presidentes Xi Jinping, da China, e Vladimir Putin, da Rússia – “que acham que a razão pela qual eles vencerão é porque as democracias não conseguem mais chegar a um consenso”.

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É uma afirmação que tem ecos da Guerra Fria, desta vez com a China assumindo o papel de principal adversário que outrora pertenceu à União Soviética. E Biden, sentindo que este pode ser seu melhor argumento para alcançar um consenso bipartidário, citou também o investimento feito pelo ex-presidente Dwight Eisenhower no sistema rodoviário do país e o empenho do ex-presidente John Kennedy na corrida espacial.

“Isso é crucial para entender o que o presidente pensa com relação ao seu plano de infraestrutura”, afirmou Brian C. Deese, diretor do Conselho Econômico Nacional e um dos principais arquitetos da proposta. “O mundo vem observando como a maior superpotência do mundo foi devastada por um vírus, e foi incapaz de criar uma resposta durante quase um ano”, acrescentou. “Agora aguarda para ver se os EUA conseguem realizar grandes coisas internamente, que indicarão se o país recuperará seu lugar de líder da ordem internacional.”

Contestação

Não é a primeira vez que a confiança nos mercados para consertar o país é contestada, mas nenhuma iniciativa anterior nas últimas décadas teve a escala do plano apresentado por Biden. O próprio Reagan insistia num aumento de impostos. Os presidentes George H. Bush e Bill Clinton tentaram alguns experimentos modestos conhecidos como “política industrial”, com medidas para impulsionar a indústria de semicondutores. 

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Mas o plano de Biden envolve um investimento público gigantesco equivalente a 1% do PIB para cada um dos próximos oito anos. Os republicanos que tradicionalmente privilegiam grandes projetos de infraestrutura, já vêm contestando o seu porte, especialmente após a aprovação do programa de auxílio na pandemia, no valor de US$ 1,9 trilhão. Eles também contestam a maneira que Biden propõe pagar por seu plano: um aumento nos impostos das empresas durante os próximos 15 anos, no caso de um programa que durará oito.

Mas o argumento a ser apresentado pelo governo nos próximos dias é que o programa simplesmente vai retomar o status quo de cinco décadas atrás, quando o investimento público em pesquisa e desenvolvimento, infraestrutura e comercialização de tecnologia era, como uma porcentagem da economia, significativamente maior que hoje. / TRADUÇÃO DE TEREZINHA MARTINO* É JORNALISTA