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Artigo: Como responder à política externa de Donald Trump

Países latino-americanos têm de assumir a tarefa de fortalecer organizações regionais e atuar contra políticas inaceitáveis

Por Abraham F. Lowenthal
Atualização:

Donald Trump já é presidente dos Estados Unidos há mais de oito meses. Raramente, se é que já aconteceu, uma mudança na liderança dos EUA provocou inquietação tão grande e imediata nas Américas e no mundo.

As preocupações mais persistentes são sobre suas características pessoais – suas convicções arraigadas, sua maneira de tomar decisões e se comunicar e, especialmente, sua tendência (proposital ou inadvertida) de ignorar ou fabricar evidências e incentivar a polarização. De um modo familiar aos que conhecem o populismo, Trump solapa a tolerância, recruta adeptos apaixonados e desacredita centros estabelecidos de poder. São tendências tóxicas e perigosas.

No campo da política externa, o latido de Trump vem sendo mais forte que a mordida Foto: REUTERS/Joshua Roberts

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No campo da política externa, o latido de Trump vem sendo mais forte que a mordida. Com frequência ele reverte posições dúbias que assumiu como candidato: no acordo nuclear com o Irã, na “manipulação de moeda” pela China, na “obsolescência” da Otan, na mudança da embaixada americana em Israel para Jerusalém e na colaboração próxima com a Rússia de Putin. Aparentemente, ele também recuou de várias posições extremistas: rejeitar totalmente o Acordo de Livre Comércio para a América do Norte (Nafta), reverter políticas de imigração e insistir em que o México pague pelo anunciado muro na fronteira. Trump vem fazendo declarações ameaçadoras sobre usar a força contra a Coreia do Norte, adotar uma “opção militar” contra a Venezuela e desencadear uma “guerra comercial” contra a China – sem dar provas até agora de que essas ameaças não passam de mera fanfarronice.

É difícil saber por que a retórica de Trump difere tanto das políticas efetivamente adotadas por seu governo. Quanto nessas diferenças é intencional, um método em sua loucura? Quanto se deve a impedimentos legais, equilíbrio institucional, opinião pública, imprensa e restrições internacionais? Estaria Trump usando táticas de negociação que empregou com sucesso em suas transações imobiliárias – táticas que não necessariamente funcionam em relações internacionais? O que pode ser atribuído a conflitos profundos entre membros de sua equipe? Quanto da aparente incoerência no governo de Trump seria resolvido com mudanças de pessoal e maior clareza na comunicação e na definição de autoridade? O que mudaria se Trump aprendesse a controlar seus impulsos e a confiar em declarações preparadas por funcionários competentes?

A verdade é que, no momento, ninguém pode responder a essas perguntas. A administração de Trump é um pudim que ainda não tomou consistência, com ingredientes dosados por vários cozinheiros, sem orientação de um chef.

Nesse contexto desconcertante, a melhor atitude a tomar por todos os que estão assustados com os perigos que a atual Casa Branca representa é reduzir o fascínio pela personalidade de Trump e, em vez disso, concentrar-se estrategicamente em identificar e responder a tendências, ameaças e objetivos ocultos. Isso é necessário para administrar os perigos, reduzi-los e avançar – apesar de Trump – rumo a objetivos comuns, levando-se em conta tendências fundamentais. Pode não ser uma abordagem tão satisfatória quanto condenar Trump e os que o apoiam, mas condenações grandiloquentes não mudam mentes nem desfazem decisões. Não será fácil estabelecer e aplicar estratégias de controle de danos que ponham limites à administração Trump: elas envolvem necessariamente esforços coordenados de muitos participantes com interesses e prioridades diversos atuando em diferentes foros e instâncias, sem coordenação central.

O primeiro passo é focar em desafios estruturais independentes da presidência de Trump. A ordem mundial conhecida – política e econômica – está ruindo. Transformações demográficas e tecnológicas estão remodelando a economia global, afetando quem ganha e quem perde. Mudanças tecnológicas, demográficas, sociais, culturais, políticas e institucionais, todas interconectadas, estão em andamento, reforçadas por novos atores e formas de poder internacional. Essas tendências disruptivas, mais do que Trump, requerem nossa atenção.

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Uma prioridade urgente deveriam ser as tentativas unilaterais e, especialmente, multilaterais de controle de danos. Países sul-americanos, especialmente Brasil e Argentina, podem fazer muito para fortalecer o papel de organizações regionais e globais na redução de conflitos violentos, detenção de corrida armamentista, incentivo a iniciativas pacificadoras e administração de fluxos internacionais financeiros e migratórios. Esses países podem elaborar respostas a problemas como segurança alimentar, danos ambientais, doenças contagiosas e narcotráfico. Em todas essas áreas, eles podem substituir a reticência e responsabilidade americana, assumindo um papel mais abrangente.

Um desafio para países latino-americanos, bem como para as pessoas que se opõem nos EUA às abordagens de Trump, é desenvolver políticas e programas que respondam aos problemas que levaram à eleição de Trump e outros populistas. Outro desafio é um engajamento mais positivo com o governo e a sociedade civil dos EUA, destacando temas e avançando onde for possível. Finalmente, países latino-americanos deveriam trabalhar juntos para se opor a políticas inaceitáveis dos EUA em vários campos, caso a caso. É hora de os maiores países sul-americanos participarem mais das decisões internacionais.

TRADUÇÃO DE ROBERTO MUNIZ

* PROFESSOR NA UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO, É SENIOR FELLOW NA BROOKINGS INSTITUTION. FOI DIRETOR FUNDADOR DO WILSON CENTER’S LATIN AMERICAN PROGRAM E DO DIÁLOGO INTERAMERICANO

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