Artigo: Governo mexicano resiste à pressão da Casa Branca

Governo de López Obrador tem poucas opções para jogar, mas qualquer coisa é melhor do que aceitar a extorsão de Donald Trump

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Por Jorge Castañeda
Atualização:

O presidente do México, Andrés Manuel López Obrador (AMLO), tem poucas cartas para jogar. Mas qualquer alternativa é preferível a continuar a se curvando a Washington. Na semana passada, Donald Trump disse que, a partir do dia 10, os EUA vão impor uma tarifa de 5%, que aumentará gradualmente, sobre todos os produtos vindos do México.

Andrés Manuel López Obrador, presidente do México Foto: José Méndez / EFE

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O anúncio pode representar dois grandes problemas para o México: a crise migratória na fronteira e o Acordo Estados Unidos-México-Canadá (USMCA), o novo Nafta. AMLO precisará tratar das duas questões ao mesmo tempo, mas está mal preparado para ambas.

A estratégia tem sido a de evitar o confronto com Trump. Poucas horas após o anúncio da tarifa, ele enviou uma carta criticando Trump, mas pedindo diálogo. O raciocínio é simples: AMLO está concentrado em sua pauta doméstica. Ele encara política externa como distração, só que a relação com os EUA é uma questão interna. López Obrador não compreende isso.

Quando ele começou a conceder vistos humanitários a cidadãos centro-americanos, em dezembro, deixou de ver que a maioria dos migrantes não queria ficar no México. Ele também subestimou a obsessão de Trump com a imigração. À medida que explodiu o número de ilegais, o mesmo aconteceu com o humor de Trump. A ameaça das tarifas tem como meta forçar o México a reduzir a entrada de ilegais. No dia 2, o secretário do Departamento de Segurança Interna, Kevin McAleenan, resumiu as três exigências dos EUA.

Primeiro, o México deve assinar um acordo de “Terceiro País Seguro”, que significa que os imigrantes não seriam elegíveis para asilo, pois seriam considerados “seguros” no México. Em segundo lugar, Trump exige uma maior repressão às organizações criminosas que transportam imigrantes.

Por fim, ele quer que o México monitore sua fronteira com a Guatemala. Washington deu dez dias para o vizinho aceitar o ultimato. Não deveria. Além de os termos serem desprezíveis, o México não tem condições de oferecer abrigo seguro a imigrantes da América Central.

Se a consequência de rejeitar a extorsão dos EUA é aceitar as tarifas, que assim seja. O peso mexicano já sofreu uma desvalorização de mais de 2% na semana passada; um adicional de 3% para compensar o primeiro aumento não teria impacto inflacionário e poderia compensar o choque de novas tarifas. Isso também não é heterodoxo no comércio internacional: a China frequentemente faz o mesmo.

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Quando as tarifas mais elevadas chegarem, algumas das medidas defensivas deveriam ser adotadas. Elas podem incluir contestações legais ao poder do presidente de aplicar essas tarifas, pressão dos exportadores americanos, tarifas mexicanas e a resistência política à decisão de Trump, até mesmo dos membros de seu governo. Além disso, no verão, os fluxos migratórios devem diminuir, à medida que o calor mortífero se instala. Dito isso, provavelmente, seria impossível para o México administrar uma tarifa de 25%.

A questão do acordo comercial é mais complicada. O México e o Canadá acabaram de enviar o USMCA a seus respectivos Legislativos para ratificação. O acordo é irrelevante até que os EUA também o ratifiquem. Isso requer uma maioria simples, em ambas as Casas, e a janela política e eleitoral para persuadir os democratas está encolhendo. Se o acordo não for votado até o fim de agosto, a questão pode ser adiada para depois da eleição de 2020. 

Para o México, o dano seria significativo. Provocaria incerteza para investidores, que já estão nervosos com as políticas econômicas de AMLO. O México, infelizmente, tem poucas cartas para jogar. Sua melhor aposta seria pedir a EUA e Canadá o adiamento do USMCA para 2020, deixando o Nafta em vigor. 

Este é um dos momentos mais tensos nas relações entre EUA e México em décadas, como era previsto. A política de AMLO de evitar o confronto com Trump fracassou. Ele tem poucas alternativas, mas elas são preferíveis a se ajoelhar a um governo que não aceitará o sim como resposta. / TRADUÇÃO DE CLAUDIA BOZZO É EX-CHANCELER DO MÉXICO 

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