Artigo: Há 100 anos, o fim da ideia de avanço inevitável

Assim como na década de 1920, hoje o crescimento econômico e o progresso tecnológico acompanham onda de nacionalismo 

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Por Fareed Zakaria
Atualização:

Ao enfrentar más notícias nos dias de hoje, muitos tendem a supor que sejam apenas pequenos problemas e que as coisas no fim vão dar certo. O presidente Barack Obama gostava de invocar a afirmação de Martin Luther King de que “o arco do universo moral é longo, mas se inclina para a justiça”. Mas poderíamos estar errados em supor que, apesar de alguns retrocessos aqui e ali, o movimento de avanço é inexorável?

Uma flor branca foi colocada na lápide de um dos soldados mortos na1ª Guerra. O Memorial homenageia mais de 72 mil homens das forças britânicas e sul-africanas que morreram no embate. Foto: Francisco Seco/AP Photo

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Ontem, 11 de novembro – na décima primeira hora do décimo primeiro dia do décimo primeiro mês –, comemoramos o fim de um dos mais sangrentos conflito que o mundo já viu. 

A 1.ª Guerra marcou um momento de transição na história da humanidade – o fim de quatro grandes impérios europeus, a ascensão do comunismo soviético, a entrada dos Estados Unidos na política de poder global. Mas talvez seu legado intelectual mais importante tenha sido o fim da ideia do progresso inevitável.

Em 1914, antes do início da guerra, as pessoas viviam em um mundo muito parecido com o nosso, definido por um crescimento econômico estimulante, revoluções tecnológicas e crescente globalização. Havia a crença disseminada de que alguma tendência ruim, quando aparecia, era temporária e seria superada pela contínua marcha do progresso. 

Em 1909, Norman Angell escreveu um livro explicando que a guerra entre as grandes potências havia se tornado tão custosa a ponto de ser inimaginável. A Grande Ilusão tornou-se um best-seller internacional e Angell tornou-se uma celebridade cult (mais tarde recebeu o Prêmio Nobel da Paz). Poucos anos após o lançamento do livro, uma geração de europeus foi destruída na carnificina da guerra.

Será que poderíamos ser complacentes da mesma forma hoje? Há estadistas sérios acreditando que sim. Em uma entrevista recente, o presidente francês Emmanuel Macron explicou: “Em uma Europa dividida por medos, afirmações nacionalistas e as consequências da crise econômica, vemos de forma quase metódica a rearticulação de tudo o que dominou a vida da Europa desde o pós-1.ª Guerra à crise (econômica) de 1929”. 

Estratégia

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Em um discurso no início deste ano ao Parlamento Europeu, Macron disse: “Não quero pertencer a uma geração de sonâmbulos que esqueceu seu próprio passado”. Como o historiador Christopher Clark escreveu em seu livro Os Sonâmbulos, os estadistas de 1914 tropeçaram em uma terrível guerra mundial sem nunca perceber a magnitude ou os perigos de suas decisões isoladas e intensificadas – ou não-decisões. Então Macron não está simplesmente falando. Ele organizou o Fórum da Paz de Paris com mais de 70 líderes mundiais para tentar combater os perigos do crescente nacionalismo e da desgastada cooperação global.

Tais perigos são tão reais e urgentes? Se você comparar o mundo hoje, ele se parece mais com a década de 1920 do que com a de 1930. O crescimento econômico e o progresso tecnológico estavam acelerando então, como agora. Também estamos vendo uma onda de nacionalismo e o colapso da cooperação, que eram marcas registradas da década de 1920.

Novas grandes potências estavam ascendendo, como agora. As democracias estavam sob pressão de demagogos, como na Itália, onde Mussolini destruiu instituições liberais e estabeleceu o controle. E em meio a tudo isso estava o crescimento do populismo, do racismo e do antissemitismo, que eram usados para dividir países e excluir várias minorias como se estivessem fora da “nação real”. Claro, por causa das pressões da década de 1920, chegamos aos anos 30.

As tendências de hoje estão todas conectadas. O crescimento econômico, a globalização e a tecnologia produziram novos centros de poder, dentro das nações e no mundo em geral. Esta é uma era de grandes vencedores e grandes perdedores. O ritmo da mudança deixa as pessoas ansiosas com o fato de seus países e culturas estarem mudando – em todo o mundo. E elas encontram conforto em homens fortes que prometem protegê-las.

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O historiador Timothy Snyder faz uma distinção em seu novo livro The Road to Unfreedom (O caminho para a não liberdade, em tradução livre) entre o que ele chama de “a política da inevitabilidade” – a fé otimista de que tudo vai dar certo – e “a política da eternidade”. A última é a visão, sustentada por líderes como Vladimir Putin, de que nada é inevitável. Que pela força, pela astúcia e pela vontade, você pode dobrar, até reverter o arco da história. Snyder descreve como Putin fez exatamente isso na Ucrânia, recusando-se a aceitar que estava inevitavelmente unindo mãos com o Ocidente e lançando uma série de medidas implacáveis que desmembraram a Ucrânia e a envolveram em um conflito interno aparentemente interminável.

Putin pode não vencer. Os esforços de pessoas como ele para reverter o progresso podem não vingar. Mas isso vai exigir mais esforço da parte dos que estão do outro lado. As coisas não vão simplesmente se resolver sozinhas enquanto assistimos. A história não é um filme de Hollywood. / TRADUÇÃO DE CLAUDIA BOZZO

*É COLUNISTA

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