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Artigo: O ressentimento catalão 

Dissolução do Parlamento é um momento alarmante na história política da Espanha desde a tentativa de golpe de 1981

Por Ishaan Tharoor
Atualização:

A confusão ainda reina na Catalunha. O impasse com Madri chegou a seu ponto culminante ontem, quase um mês depois de o governo catalão realizar um referendo caótico sobre sua independência, declarado inconstitucional pelo governo espanhol.

Situação na Catalunha está cada vez mais tensa; premiê espanhol destituiu governo catalão e marcou eleições para dezembro Foto: Pau Barrena/AFP

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A dissolução do Parlamento é um momento alarmante na história política da Espanha desde a tentativa de golpe de 1981. A medida provavelmente aprofundará o caos que toma conta do país, provocando protestos ainda mais acalorados na Catalunha e aumentando a oposição ao premiê espanhol, Mariano Rajoy, – que seus críticos afirmam ser responsável em parte pela crise – levantando a perspectiva surreal de dois governos rivais controlando Barcelona.

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Há também muita cólera com relação aos secessionistas catalães. O governador da Catalunha, Carles Puigdemont, que chegou ao poder com o apoio de uma coalizão de partidos locais defensores da separação, tem agido com hesitação desde o plebiscito, ao tentar afirmar sua autoridade e, ao mesmo tempo, evitar uma decisão firme sobre a independência.

Ele adotou mais uma manobra ambígua na quinta-feira, ao decidir não convocar novas eleições que poderiam ser um caminho para superar a crise. Em comunicado, Puigdemont declarou não ter recebido “garantias” satisfatórias de Madri de que uma nova eleição seria realizada em “condições ordinárias” e acusou o governo espanhol de “fazer política a partir de uma lógica contrária à dos catalães e não “com os catalães”.

Opositores de Puigdemont afirmam que ele e seus aliados fazem um jogo desnecessário, arriscado, que estão condenados a perder. “A independência é algo que não podemos permitir e não acontecerá”, disse o ministro da Economia espanhol, Luis de Guindos, a uma rádio espanhola. “Eles estão presos na armadilha. E, ao que parece, suas próprias decisões estão provocando vertigem.”

A Catalunha, uma das regiões mais prósperas e cosmopolitas da Espanha, não está tão unida no seu desejo pela independência. No entanto, mesmo se Madri conseguir extinguir essa atual manobra secessionista, o movimento com vistas à autodeterminação da região dificilmente vai desaparecer. 

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“Não deixemos que eles roubem nossa república em acordos secretos”, declarou Mireia Boya Busquet, líder de um partido de esquerda que defende a independência. “Vamos levá-la para as ruas. Onde ela começou, e vencerá, apesar de tudo.”

As aspirações dos catalães são arraigadas, ancoradas na história da região e na sua identidade cultural. No entanto, o ímpeto no sentido da independência só se firmou após a crise financeira de 2008, quando viram sua próspera região ser arruinada por uma economia espanhola que se afundava. Autoridades catalãs dizem que a região ainda paga a cada ano para Madri US$ 12 bilhões mais de impostos do que recebe de volta.

Europa. Essas frustrações não são exclusivas da Catalunha. Inúmeros movimentos secessionistas e pela autonomia em outras partes da Europa, da Lombardia, na Itália, até Flandres, na Bélgica, e a Escócia, ou mesmo Londres, na Inglaterra, vêm surgindo com base na crença de que seus interesses regionais não são atendidos pelos políticos nacionais no comando. 

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No ano passado, imaginávamos que o nacionalismo no Ocidente era exclusivo de movimentos populistas de direita insuflados pela insatisfação com as elites e a hostilidade contra os imigrantes. No entanto, outra tendência que se observa é o regionalismo impaciente de mais áreas metropolitanas da Europa, frustradas pela política atrasada dos seus Estados-nação.

“No caso da Espanha e da Itália, está claro: a mistura de austeridade, corrupção e esclerose política limita a realidade da democracia regional”, escreveu o colunista do Guardian, Paul Mason. “E impulsionou não só regiões autônomas como a Catalunha para a independência, como também a Lombardia e o Vêneto” – duas regiões italianas ricas que realizaram plebiscitos por mais autonomia – a buscarem a autonomia fiscal de um Estado central fundamentalmente disfuncional”.

Segundo Mason, esse regionalismo tem uma lógica mais orgânica no século 21. “Nas grandes cidades, com densas redes de informação e cultura, você consegue sobreviver à globalização. Nas pequenas cidades, é mais difícil. De modo que a estratégia econômica lógica é criar uma região ou uma pequena nação focada em uma grande cidade e desenvolver a economia suburbana e rural em sinergia com essa cidade, e não um Estado unitário maior. Se Barcelona não fosse uma história de sucesso global, o ímpeto que está por trás do nacionalismo catalão seria menor.”

Naturalmente, o Estado-nação dificilmente vai desaparecer. A União Europeia, por exemplo, tem sido limitada pelos seus Estados-membros. No entanto, isso não muda a crescente impressão de que, no caso de muitos países ocidentais, está cada vez mais difícil lidar com as forças políticas e econômicas que vêm dilacerando as sociedades. / TRADUÇÃO DE TEREZINHA MARTINO

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*É JORNALISTA

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