PUBLICIDADE

Artigo: Quanto mais longa a guerra civil, pior para Israel

Mesmo que os israelenses continuem evitando se envolver no plano militar, o país deveria aumentar sua resposta humanitária à crise

Por Benedetta Berti
Atualização:

A guerra civil da Síria poderia beneficiar Israel e EUA? É isto que alguns comentaristas israelenses sugeriram ultimamente. O raciocínio é o seguinte: enquanto os vizinhos e os inimigos de Israel estiverem ocupados brigando entre si, sua atenção se desviará de Israel. No entanto, acreditar que a continuação da guerra civil na Síria represente alguma vantagem para Israel não é apenas moralmente repreensível, como revela miopia e incompreensão da nova dinâmica regional. Deter a violência e restabelecer a paz deveria ser do interesse de todos os atores regionais, inclusive de Israel. Quando os protestos contra Bashar Assad explodiram, a reação de Israel foi ambivalente. Por um lado, analistas favoráveis ao status quo afirmaram que a Assad era previsível e o triunfo sobre a oposição seria bom para Israel. Uma segunda linha afirmava que Israel tinha o maior interesse em uma mudança no status quo na Síria, pois isto infligiria um golpe profundo aos seus dois principais inimigos: Irã e Hezbollah. Ultimamente, uma terceira posição vem ganhando impulso e foi expressa por comentaristas e parte da população. Para os interesses de Israel, seria melhor que a guerra civil continuasse. Assim, os israelenses poderiam "relaxar" enquanto seus inimigos se enfraquecem. Em tese, as divisões regionais deveriam ser consideradas algo positivo para Israel. O prazer mal disfarçado pela crescente violência profundamente inquietante. Em primeiro lugar, tais afirmações revelam uma falta de empatia e uma insensibilidade vergonhosa para com o sofrimento humano. O conflito na Síria deixou mais de 100 mil mortos (entre eles, 6,5 mil crianças) e mais de 7 milhões de pessoas necessitadas de ajuda humanitária. Não existe nenhum interesse geoestratégico que justifique uma atitude a favor da violência. Além disso, esse tipo de análise revela um erro frequentemente presente no pensamento político tradicional israelense: a ideia de que Israel é um país capaz de isolar-se da dinâmica regional. Isto não é verdade: a violência e a instabilidade na Síria não se limitam ao país. A guerra civil já desestabilizou o Líbano e, em grau menor, a Jordânia. Quanto mais o conflito durar, mais provável será seu impacto direto para Israel. As consequências negativas da guerra civil da Síria na Jordânia deveriam preocupar também as autoridades israelenses, porque Amã e seu tratado de paz agora são mais cruciais do que nunca para Israel. De maneira mais imediata e direta, a continuação da guerra civil síria está criando um segundo cenário perigoso. A falta de um controle central e o desrespeito pela lei manifestam-se ao longo da fronteira com a Síria, nas Colinas do Golã, controladas pelos israelenses. Quanto mais o conflito se prolongar, mais o país ficará dividido, instável, militarizado e mais se assemelhará a um país falido, caracterizado pela falta de uma autoridade central e pela proliferação de armas e de grupos armados. Os riscos crescem mais em razão de outra tendência da guerra civil: a natureza cada vez mais sectária e polarizada do conflito. Embora, de início, os protestos na Síria não fossem sectários, a convergência da estratégia de Assad, de "dividir para conquistar", a chegada de jihadistas e a ingerência das potências regionais acabaram transformando a guerra num conflito sectário. Isto torna o conflito mais difícil de solucionar, mais propenso a atrair elementos radicais e com um maior impacto regional. A grande afluência de jihadistas é outra razão pela qual a continuação do status quo afeta Israel. O colapso do controle central e a proliferação de elementos radicais preocupam, considerando o arsenal não convencional da Síria. Dados os riscos e a terrível situação humanitária, os israelenses não deveriam desejar a continuação da guerra. Israel deveria usar sua influência para deixar claro aos seus aliados os custos caso o conflito se arraste por muito tempo. Mesmo que Israel continue evitando se envolver no plano militar, o país deveria dar novos passos para aumentar sua resposta humanitária à crise. *Benedetta Berti é pesquisadora do Instituto de Estudos sobre Segurança Nacional em Israel.

Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.