Artigo: Trump: pelo amor de Putin

Trump tem tanta admiração por Putin que imaginou que os dois já haviam se encontrado, contando em público pelo menos cinco versões dessa mentira e minimizando qualquer crítica ao presidente russo

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Por Fareed Zakaria
Atualização:

As últimas revelações sobre a campanha de Donald Trump e a Rússia são úteis porque podem ajudar a desvendar o mistério que sempre esteve no centro dessa história. Por que Trump tem tanto carinho pela Rússia e por Vladimir Putin? É uma postura tão incomum para Trump que exige algum tipo de explicação.

Loja de Moscou vende modelos de Matrioscas, as tradicionais bonecas russas, representando Vladimir Putin e Donald Trump Foto: AFP PHOTO / Alexander NEMENOV

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Se na política doméstica Trump vagou por todo o mapa político, na externa ele mantém pontos de vista claros e consistentes há 30 anos. Em 1987, quando deu sua primeira declaração importante acerca de políticas públicas, Trump espalhou em vários jornais um artigo que começava assim: “Há décadas que o Japão e outras nações tiram vantagem dos EUA”. O texto também criticava a Arábia Saudita, “um país cuja própria existência está nas mãos dos EUA”, e outros “aliados que não ajudam em nada”. 

Essa é a visão de mundo de Trump e ele nunca a negou. Trump adicionou mais alguns países à lista dos malfeitores, mais recentemente a China e o México. Sobre aquela, ele escreveu em sua campanha presidencial: “Tem gente que não quer que eu me refira à China como nossa inimiga. Mas é exatamente isso o que ela é”. Ainda durante a campanha, ele disse: “Não podemos permitir que a China continue estuprando nosso país”. Alguns meses antes de anunciar sua candidatura, ele tuitou: “A única coisa que quero com o México é construir um MURO impenetrável e impedir que eles se aproveitem dos Estados Unidos”.

Em termos de política externa, Trump é o que o historiador Walter Russell Mead chama de “jacksoniano” (de Andrew Jackson), uma pessoa profundamente cética e instintivamente hostil em relação às outras nações e seus líderes, alguém que acredita nos EUA encastelados, cuidando de seus próprios negócios e, quando perturbados, “bombardeiam a m...” de seus adversários e depois recuam para a terra natal.

Essa é a atitude básica de Trump para com o mundo, à exceção da Rússia e de Vladimir Putin. Dez anos atrás, quando o dinheiro russo se derramava sobre o Ocidente, Trump começou a louvar o país e seu líder: “Olhe para Putin... ele está fazendo um ótimo trabalho na reconstrução da imagem da Rússia e também na reconstrução da Rússia em si”. Em 2013, Putin escreveu um artigo no New York Times para dissuadir o governo Obama de reagir contra o uso de armas químicas pelo governo sírio. O texto afirmava que, na verdade, o gás venenoso fora utilizado pela oposição síria, que queria enganar Washington e levar os EUA a atacar o regime. A reação de Trump foi lírica. “Acho que foi uma mensagem incrivelmente bem escrita. Creio que ele quer se tornar o líder do mundo, e agora ele está conseguindo”.

Trump tem tanta admiração por Putin que imaginou que os dois já haviam se encontrado, contando em público pelo menos cinco versões dessa mentira e minimizando qualquer crítica ao presidente russo. “Com toda a justiça, você diz que Putin matou pessoas. Eu não vi isso”, disse ele em 2015. “Você tem provas?”. Quando confrontado com o assunto no início deste ano, Trump o absolveu, dizendo: “Tem muitos assassinos por aí. Ou você acha que nosso país é inocente?”. Trump não deu essas desculpas em troca de vantagens políticas. O Partido Republicano era naturalmente hostil à Rússia, mas, em um sinal dos alinhamentos mutantes dos EUA, os republicanos de hoje têm uma visão mais favorável de Putin que os democratas.

“Não consigo pensar em nada melhor que ter amizade com a Rússia”, Trump declarou em uma coletiva de imprensa de julho de 2016. Sua campanha parece ter seguido essa ideia. Ele nomeou Michael Flynn como o principal assessor de política estrangeira, um homem que havia manifestado tendências pró-russas e, agora sabemos, foi pago pelo governo russo. Paul Manafort, que por um tempo foi chefe da campanha de Trump, recebeu milhões de dólares de um partido pró-Rússia da Ucrânia. Durante a convenção republicana, houve uma diluição muito incomum da linguagem beligerante sobre a invasão da Rússia na Ucrânia. E, uma vez eleito, Trump escolheu Rex Tillerson como secretário de Estado, um homem que recebera uma das mais altas honras russas para estrangeiros e teve uma “relação muito próxima” com Putin. Por fim, há os repetidos contatos de membros da campanha e da família de Trump com cidadãos e altos funcionários russos – o que, mais uma vez, parece ser prerrogativa da Rússia.

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É possível que haja explicações benignas para tudo isso. Talvez Trump apenas admire Putin como líder. Talvez ele tenha comprado a visão de mundo do conselheiro Steve Bannon, segundo a qual a Rússia não é um inimigo ideológico, mas um amigo cultural, um país branco e cristão que luta contra os mouros. Mas talvez exista alguma outra explicação para essa antiga bajulação da Rússia e de seu líder. Esse é o quebra-cabeça que agora ocupa o centro da presidência de Trump e Robert Mueller, sem dúvida, irá resolver. / TRADUÇÃO DE RENATO PRELORENTZOU

*É COLUNISTA

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