Artigo: Uma outra Europa é possível

No momento, há tempestades em toda a Europa; várias dessas crises, porém, contêm oportunidades ocultas

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Por Timothy Garton Ash
Atualização:

Quando as esperanças de obter um resultado positivo terminam em desespero, não há mais espaço para o desânimo, pois as apreensões de acontecer algo ruim também podem se revelar erradas. No momento, há tempestades em toda a Europa. Várias dessas crises, porém, contêm oportunidades ocultas. Outra Europa é possível.

Emmanuel Macron, presidente da França Foto: EFE/ Julien De Rosa

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Para começar, o presidente francês, Emmanuel Macron, continua a articular uma visão ambiciosa para uma UE mais forte em um mundo pós-europeu. Sim, às vezes ele se parece mais com o proverbial rapaz holandês com o dedo tentando conter o vazamento em um dique do que com um Napoleão avançando pelos Alpes. Mas, o lado positivo é que sua equipe está se tornando mais realista quanto ao que podem alcançar. 

As perspectivas dos liberais pró-Europa ficaram melhores com a escolha do Partido Popular Europeu (PPE), do conservador alemão Manfred Weber, como candidato a presidente da Comissão Europeia. Como ele não tem qualquer experiência governamental de alto nível, sua nomeação aumenta as chances de vitória de uma figura diferente, mais dinâmica e experiente como novo presidente do órgão.

A fragmentação da política alemã e o declínio de Angela Merkel também têm um lado positivo. Como os social-democratas provavelmente abandonarão o barco em algum momento do ano que vem, temos a perspectiva de um novo governo. O favorito é Friedrich Merz, mais conservador que Merkel, mas definitivamente pró-europeu. 

Durante os três últimos anos, o governo da Polônia tem tentado conduzir o país pela rota húngara, da democracia liberal ao autoritarismo híbrido. Nas recentes eleições locais, porém, o partido governista sofreu um revés. No próximo ano, a Polônia terá eleições parlamentares europeias e nacionais e, ao contrário da Hungria, ainda preserva condições que dão à oposição chances de vencer e pavimentar o caminho para que o presidente do Conselho Europeu, Donald Tusk, volte à presidência em 2020.

Contra a acirrada concorrência, o Brexit supera todos os rivais em caos político e confusão. Contudo, aqui também a crise esconde uma oportunidade. Se o acordo da premiê Theresa May for rejeitado pelo Parlamento, a probabilidade é grande de haver um segundo referendo. Apesar de todos os riscos e dificuldades envolvidos, uma nova votação traria mais de 50% de chances de o país permanecer na UE.

Subjacente a estas oportunidades e crises individuais está a crescente percepção, por parte dos europeus, de que esse projeto está agora sob ameaça existencial. Após décadas de integração, vemos a desintegração europeia. Como a perspectiva da morte, isso canaliza as mentes. Também mexe com os corações e mobiliza os pés, como vimos em Londres, no mês passado, com o espetáculo sem precedentes de cerca de 700 mil pessoas marchando nas ruas da cidade em favor da Europa.

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Eu não sou parente do Doutor Pangloss. Eu não calculo a probabilidade de acontecer qualquer uma dessas reviravoltas e, a chance de todas elas acontecerem juntas está em apenas um único dígito. No entanto, cada uma dessas mudanças é possível – e cada uma delas dependerá das decisões e das ações de seres humanos individuais. Adaptando as palavras do hino nacional da Polônia, “a Europa ainda não está perdida enquanto vivermos”. / TRADUÇÃO DE CLAUDIA BOZZO

*É PROFESSOR DE ESTUDOS EUROPEUS DA UNIVERSIDADE DE OXFORD

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