BERLIM - Nos anos 50, Rosa Parks, pioneira dos direitos civis nos Estados Unidos, teve de fugir do sul americano em direção a Detroit. Cerca de 60 anos depois, foi a sua casa que encontrou um asilo inesperado: Berlim.
O artista americano Ryan Mendoza, instalado na capital alemã, realizou um projeto um tanto inusitado: desmontou uma casa de dois andares desocupada havia anos que ia ser demolida e a trasladou em contêineres para seu jardim no bairro berlinense de Wedding, para reconstruí-la.
Para o pintor, de 45 anos, essa odisseia reflete o contraste entre a realidade do seu país de origem, onde a eleição de Donald Trump à presidência revelou e acentuou as divisões sociais, e a Alemanha, que nos últimos dois anos acolheu mais de um milhão de solicitantes de asilo que fugiam da guerra e da miséria.
"Ignorando essa casa, os Estados Unidos mostraram seu menosprezo pelos direitos civis", disse Mendoza à France-Presse.
Em 1955, Rosa Parks, uma costureira negra de 42 anos, se negou a ceder seu assento a um branco em um ônibus de Montgomery, no Alabama, como estava previsto na lei neste Estado do sul do país, dando início a um amplo movimento que levou ao fim da segregação racial nos Estados Unidos.
Mas as ameaças de morte a obrigaram a fugir para Detroit, mais de 1.000 quilômetros ao norte, uma cidade industrial então em pleno auge, onde viveu até sua morte, em 2005, quando tinha 92 anos. Nunca voltou a morar no Alabama.
Família de acolhida. "Os direitos civis não são importantes apenas para os negros, mas também para os brancos que querem se afastar de seus antepassados racistas. Os alemães entenderam perfeitamente o que essa casa tem a dizer", explica.
"Talvez não seja uma coincidência que a cidade que acolhe essa casa tenha nascido de um muro que foi destruído e o país que a perdeu seja esse que tanto quer construir um", reflete o artista, em alusão ao muro que Trump quer erguer na fronteira com o México.
Abandonada, a modesta casa de três quartos ia ser demolida quando a sobrinha de Rosa Parks, Rhea McCauley, de 69 anos, a comprou por uma miséria (US$ 500). Ela não conseguiu, porém, dinheiro para restaurar o imóvel.
Foi então que Ryan Mendoza teve a ideia de trasladar a casa. Sua mulher, Fabia, já tinha participado de um projeto artístico que envolveu o deslocamento de uma construção de um lado ao outro do Atlântico.
O casal se considera a "família de acolhida" da casa de Parks. "Eu amo eles pelo que fizeram pela mia tia", disse à France-Presse por telefone Rhea, uma artista aposentada que mora nos Estados Unidos.
Mendoza passou 18 dias do verão passado desmontando a casa, enviou os pedaços em contêineres e a reconstruiu em seu próprio jardim.
Para realizar seu projeto, Mendoza procurou, em vão, a ajuda de instituições americanas, assim como da ex-primeira-dama Michelle Obama. No fim das contas, teve de pagar do próprio bolso toda a operação, que custou mais de US$ 30 mil dólares.
O artista espera devolvê-la "o mais rápido possível" a Detroit para que seja "reabilitada dignamente".
Mas Rhea McCauley, muito crítica à administração Trump, acha que seria bom que a casa ficasse um tempo no seu exílio em Berlim. Os Estados Unidos "não estão preparados para a tia Rosa. Eu prefiro esperar o país crescer", lamenta. / AFP