As brechas para a Rússia não sufocar

Por trás das duras palavras e ameaças adotadas por EUA e União Europeia, há lacunas nas sanções que impedirão um cerco total à economia russa

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Por Jamila Trindle & Keith Johnson
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Os Estados Unidos e a União Europeia adotaram novas sanções econômicas contra a Rússia e ameaçaram aumentá-las se Vladimir Putin mantiver seu apoio aos separatistas da Ucrânia. Mas por trás das palavras duras está um conjunto cuidadoso de medidas com tantas brechas que provavelmente não tolherá a economia russa. As medidas anunciadas impedem bancos russos de usar os mercados de capital do continente, reduzem a exportação de equipamentos para o setor petrolífero russo e proíbem países-membros da UE de assinar novos contratos de defesa com a Rússia. No entanto, o bloco europeu deixou brechas suficientemente grandes para a passagem de um par de navios de guerra gigantescos, como o governo francês ainda pretende fazer. Também deixou praticamente intacta a todo-poderosa indústria russa de gás. Horas depois, os EUA também anunciaram novas sanções que impedem companhias petrolíferas russas de comprar tecnologia de empresas ocidentais para explorar suas reservas de petróleo em águas profundas e de óleo de xisto. As novas sanções europeias vão mais longe do que nunca, mas ainda não chegaram ao tipo de "sanções setoriais" que bloqueariam os negócios com setores russos inteiros. Isso reflete o temor de líderes da UE de que atingir a Rússia com demasiada dureza prejudicaria também suas companhias e indústrias. O embargo de armas, por exemplo, não se aplica a pactos já existentes. Isso significa que o acordo francês de US$ 1,6 bilhão para vender navios de guerra Mistral para a Rússia - criticado por autoridades britânicas na semana passada - poderá prosseguir, embora a França tenha dito que só entregará o primeiro e reavaliará se vai entregar o segundo. Essa não foi a única vaca sagrada poupada. Apesar de as novas medidas terem como alvo a produção futura de petróleo, elas não tocam nos negócios com gás natural, um pilar da economia exportadora da Rússia e uma tábua de salvação para os europeus. Tanto EUA quanto Europa tomaram medidas para restringir o comércio de equipamentos fundamentais para a indústria petrolífera necessários para extrair petróleo de águas profundas no Ártico e do xisto - áreas onde a Rússia espera aumentar sua produção de petróleo nos próximos anos. O Departamento de Comércio dos EUA disse que limitará a exportação de tecnologia de petróleo crucial para a Rússia, mas ainda não está claro que bens e serviços serão proibidos, como isso afetará a produção de petróleo atual da Rússia ou mesmo quantas empresas americanas e europeias serão atingidas pelas proibições de exportação para certos projetos petrolíferos. Mas, em teoria, as medidas poderão causar uma redução da produção russa de energia no futuro. A Rússia precisa aumentar a produção em cerca de 1,5 milhão de barris por dia até o fim da década para compensar o declínio da produção em campos antigos. Extrair óleo de xisto poderia ser a chave, mas isso requer muitos serviços em campo de petróleo, como torres de perfuração, que o país não tem. A Rússia também poderia recorrer à tecnologia energética de outros países, como a China. Putin já se mostrou adepto de encontrar outros clientes em meio à batalha com a Europa, como um enorme acordo de gás natural, de US$ 400 bilhões, com a China, que diversificará as exportações de energia da Rússia. Nações da UE também poderão comprar certos equipamentos militares da Rússia para ajudar na manutenção de tanques e armas comprados de Moscou, segundo reportagem do Wall Street Journal. Isso poderá impedir que as medidas prejudiquem demais a indústria de defesa russa. O governo Obama, por sua vez, agiu para barrar outras três instituições financeiras russas - VTB Bank, Bank of Moscow e Russian Agricultural Bank - dos mercados de capitais americanos. A medida não impede totalmente os americanos de negociar com os bancos, mas amplia uma lista anterior de bancos que estão proibidos de buscar financiamento de médio e longo prazos de investidores americanos. Os bancos russos sob sanção atualmente constituem 30% do setor bancário russo, em ativos, segundo um funcionário do governo Obama. Os EUA também incluíram um estaleiro - a estatal United Shipbuilding Corporation - na lista das empresas com as quais os americanos não podem negociar. Obama disse que as novas medidas americanas enfraquecerão ainda mais uma economia russa já desgastada. O crescimento da economia russa já vinha caindo, mas a combinação da investida de Moscou sobre a Ucrânia e a ameaça de sanções pioraram ainda mais as projeções econômicas. Economistas dizem que a Rússia poderá sofrer uma evasão de capitais de US$ 100 bilhões a US$ 150 bilhões este ano, com um crescimento próximo de zero. A ampliação de sanções ocorre em meio a crescentes evidências de que Putin está aumentando seu apoio aos separatistas pró-Rússia dentro da Ucrânia. Autoridades americanas acreditam que os rebeldes usaram um míssil terra-ar de fabricação russa para derrubar um avião civil, matando as 298 pessoas a bordo. Autoridades americanas dizem que Putin deslocou 15 mil soldados para sua fronteira com a Ucrânia nas últimas semanas e fez disparos contra o território ucraniano. "O pacote de novas medidas restritivas constitui um poderoso sinal aos líderes da Federação Russa: desestabilizar a Ucrânia - ou qualquer outro Estado vizinho europeu - trará pesados custos para sua economia", disse o presidente do Conselho Europeu, Herman van Rompuy. A grande incógnita na equação das sanções do Ocidente é até onde os EUA e seus aliados terão de ir para obrigar Putin, cuja popularidade aumentou desde o início da crise ucraniana, a mudar de curso. A Casa Branca reconheceu num comunicado na segunda-feira que Putin estava "dobrando as apostas" e fornecendo mais armamento e apoio aos separatistas pró-Rússia. Em Moscou, os parlamentares russos analisam contramedidas, incluindo uma legislação que poderia impedir empresas de alguns países de operar na Rússia, segundo a mídia estatal russa. A proibição teria como alvo grandes companhias transnacionais, como Deloitte, PricewaterhouseCoopers e KPMG, segundo o jornal britânico Financial Times. Apesar das palavras duras de Washington e Bruxelas, Obama tomou o cuidado de não dizer nada que pudesse acirrar ainda mais as tensões com Putin. "Não é uma nova Guerra Fria", disse o presidente americano ao ser questionado por um repórter a respeito do caso. "Trata-se de uma questão muito específica, relacionada à falta de disposição da Rússia de reconhecer que a Ucrânia pode traçar seu próprio caminho."*Jamila Trindle & Keith Johnson são jornalistas.TRADUÇÃO DE CELSO PACIORNIK

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