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É escritor venezuelano e membro do Carnegie Endowment. Escreve quinzenalmente

Opinião|As democracias do mundo precisam ser reparadas e reformadas; leia artigo

Paradoxalmente, a melhor forma de enfrentar as políticas assimétricas que conferem vantagens eleitorais a demagogos, populistas e charlatães não é imitá-los

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Atualização:

“Os Estados Unidos se encaminham para a maior crise política e constitucional enfrentada pelo país desde a Guerra Civil. Há uma probabilidade razoável de, nos próximos três ou quatro anos, ocorrerem situações de violência de massas... e o país se fragmentar em enclaves vermelhos e azuis, em guerra entre si."

Assim começa um explosivo artigo recém-publicado no Washington Post por Robert Kagan, que até 2016 foi um dos mais influentes estrategistas de política externa do Partido Republicano. Sua análise trata de questões que, infelizmente, associamos antes às débeis democracias da América Latina, com sua conhecida propensão ao suicídio. A análise de Kagan é um marco no reconhecimento da latino-americanização da política nos EUA.

Apoiadores de Trump derrubam barreira e enfrentam polícia próximo do Capitólio, em Washington Foto: Julio Cortez/AP

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Sua análise se baseia em dois pilares. Primeiro, na premissa de que Donald Trump será o candidato republicano à presidência dos EUA nas eleições de 2024. A expectativa de que a visibilidade e a influência dele enfraqueceriam depois da derrota nas eleições de 2020 é uma ilusão sem fundamento. Trump tem dinheiro, uma máquina política e milhões de seguidores. Além disso, em 2024 enfrentará candidatos politicamente vulneráveis. Talvez Trump tenha problemas jurídicos ou de saúde que o impeçam de concorrer nas próximas eleições, mas agir com base nisso é pensamento mágico, não estratégia política.

De acordo com Kagan, o Partido Republicano não é mais definido por sua ideologia, e sim pela lealdade a Donald Trump. Os líderes partidários que não apoiam incondicionalmente o ex-presidente são sumariamente marginalizados e ferozmente atacados.

O segundo pilar é a ideia de que Trump e seus aliados estão se preparando para garantir a vitória eleitoral por meios não democráticos, caso seja necessário recorrer a eles. As tentativas desastradas e malsucedidas de usar ações judiciais para dar a Trump os votos que faltavam para vencer Joe Biden, bem como o espaço na mídia e o alarido político para convencer os americanos de que a eleição de Trump foi roubada, não serão mais desajeitadas ou improvisadas.

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Apoiadores de Trump invadiram Congresso na sessão para validar vitória de Joe Biden Foto: Erin Schaff/The New York Times

Está em andamento um projeto sofisticado, corajoso e muito bem financiado cujo objetivo é controlar o processo eleitoral em estados-chave, a contagem de votos e também a redefinição das autoridades estaduais que detêm o poder de declarar quem venceu as eleições em seu estado. “O cenário para o caos está armado”, escreve Kagan, e continua, “Imagine semanas de protestos de massas em vários estados em que legisladores e autoridades locais de ambos os partidos declaram seu candidato o vencedor e denunciam seus rivais por fazerem esforços inconstitucionais para tomar o poder… Ativistas de ambos os partidos estarão mais bem armados e mais dispostos a usar violência física contra seus oponentes do que estavam nas eleições de 2020 ”.

Kagan levanta sua voz diante dessas tendências que são novas para os EUA, mas não para os latino-americanos. Tem o mérito de perceber claramente que senhores da guerra como Trump não se envolvem na política como os democratas, mas usam sistematicamente táticas assimétricas para atingir seus objetivos.

Encaremos dessa maneira: Osama bin Laden ensinou ao mundo o que é a guerra assimétrica, enquanto Donald Trump nos mostrou o que é a política assimétrica.

A guerra assimétrica é um conflito armado em que uma das partes possui muito mais recursos e capacidades militares do que o seu oponente, que recorre a estratégias, táticas e regras não convencionais. Em 2015 Donald Trump não tinha um partido disposto a levá-lo à presidência, mas teve a disposição de quebrar todas as regras e esquemas tradicionais da política, surpreendendo e desorientando seus rivais. Mergulhar em uma política assimétrica não só permitiu que ele assumisse o comando do Partido Republicano, mas também a presidência dos EUA. E embora não tenha sido reeleito em 2020, seu sucesso como líder de um movimento que prospera na assimetria política é inquestionável.

O que fazer? Como fortalecer a democracia americana e impedir que líderes com propensões não democráticas cheguem ao poder? Paradoxalmente, a melhor forma de enfrentar as políticas assimétricas que conferem vantagens eleitorais a demagogos, populistas e charlatães não é imitá-los. Os ataques à democracia devem ser combatidos com mais democracia, e democracia melhor. As democracias do mundo, e a americana com urgência, precisam ser reparadas e reformadas para responder a novas realidades como pandemias ou antigas mazelas como a desigualdade. 

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Mas antes de discutir iniciativas concretas para defender a democracia e combater os ataques assimétricos a que estará sujeita, é necessário criar um amplo consenso a respeito da gravidade dessa ameaça. O ataque assimétrico à democracia não é "mais do mesmo". É um fenômeno político diferente, com muitos aspectos novos. Para derrotá-lo, precisamos entendê-lo, aumentar a conscientização sobre sua toxicidade e tratá-lo com a urgência que merece. Tomara que possamos fazê-lo./ TRADUÇÃO DE AUGUSTO CALIL

* É ESCRITOR VENEZUELANO E MEMBRO DO CARNEGIE ENDOWMENT

Opinião por Moisés Naim

É escritor venezuelano e membro do Carnegie Endowmen

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