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É colunista do 'Estadão' e analista de assuntos internacionais. Escreve uma vez por semana.

Opinião|As dificuldades que Joe Biden terá pela frente

Republicanos devem manter maioria no Senado e Biden enfrentará um Supremo hostil

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Atualização:

Pelo que se sabe até aqui, as litigações da campanha Donald Trump deverão servir mais para lustrar o delicado ego do presidente do que para mudar o resultado: a eleição de Joe Biden. Com mais certeza ainda, pode-se afirmar que este será um dos governos mais difíceis da história recente dos Estados Unidos.

As projeções indicam que os republicanos devem manter a maioria no Senado, ainda que reduzida, o mesmo acontecendo com os democratas na Câmara. Biden também enfrentará uma Suprema Corte hostil, com seis juízes conservadores – três deles nomeados por Trump – e três liberais. Os resultados das eleições no Congresso enterram as já remotas chances de ele ampliar o número de cadeiras na Corte.

O presidente eleito dos Estados Unidos, Joe Biden Foto: Erin Schaff/The New York Times

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Ele poderia contar com mandato expressivo das urnas. Afinal, é a maior votação de um presidente da história dos Estados Unidos: ao final da apuração, esse número poderá se aproximar de 80 milhões. Entretanto, o segundo mais bem votado é justamente Trump, que pode superar a marca de 75 milhões.

Restaria, nesse âmbito do mandato, o resultado no colégio eleitoral. Se Biden confirmar as tendências de vencer também no Nevada e na Geórgia, além da Pensilvânia, fica com 295 cadeiras. Só se Trump não conseguir alcançá-lo no Arizona – onde a vantagem de Biden está se estreitando – é que o democrata atinge 306. Essa foi a marca de Trump em 2016.

Esta análise, no entanto, passa também pelo Partido Republicano, que nesses quatro anos foi capturado por Trump. Dirigentes importantes, como o deputado Paul Ryan, presidente da Câmara de 2015 a 2019, aposentaram-se da política, no caso dele com apenas 47 anos. Ironicamente, Ryan era um importante líder no Wisconsin, que ajudou na vitória de Trump em 2016 e de Biden agora. 

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Essa onda de dissidência foi causada pela falta de espaço no partido para quem não fosse 100% leal a Trump. A força de Trump para impor essa condição vinha, e ainda vem, de sua fortíssima conexão com o eleitorado: grande parte da base tradicional do partido, e mais uma contingente que ele trouxe do estoque de independentes e democratas, em 2016. As pesquisas de boca de urna mostram que eles eleitores voltaram para os democratas.

O cimento entre o partido e o presidente começou a fraturar este ano, com a crescente preocupação pela gestão da pandemia, que se somou ao incômodo, desde o primeiro dia, pela condescendência com a Rússia e os ataques à comunidade de inteligência e aos militares. O corte de impostos e o aumento de gastos também feriram as convicções dos republicanos “fiscalmente conservadores”, cujo maior representante era Ryan. 

A fratura se ampliou na reta final da eleição. Trump queria – e os americanos precisam – votar novo pacote de estímulo. Senadores disputando reeleição resistiram, com receio da reação desses eleitores que se preocupam com o déficit público. O presidente escalou o secretário do Tesouro, Steve Mnuchin, para negociar diretamente com a presidente democrata da Câmara, Nancy Pelosi, que no entanto fez jogo duro para dificultar a reeleição de Trump.

A coesão dos republicanos ao redor de Trump tende a erodir na mesma medida da resistência do presidente em aceitar a derrota. Um a um, os líderes republicanos começarão a felicitar Biden pelo triunfo porque a democracia e a estabilidade são valores maiores para suas bases do que a lealdade a um “pato manco”, o jargão americano para presidentes derrotados.

O problema maior, para Biden, pode vir das pressões da esquerda de seu partido, liderada pelo senador Bernie Sanders e por deputadas em primeiro mandato eleitas em 2018. Eles consideram que o ajudaram a se eleger e vão cobrar por isso. Suas pautas se concentram no meio ambiente, reforma da polícia e criação de um sistema público de saúde. A resistência republicana será grande, independentemente do prestígio de Trump no partido.

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* COLUNISTA DO ESTADÃO E ANALISTA DE ASSUNTOS INTERNACIONAIS

Opinião por Lourival Sant'Anna

É colunista do 'Estadão' e analista de assuntos internacionais

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