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As duas cajadadas de Obama

Presidente tem a chance, na posse e na mensagem do Estado da União, de mostrar que será mais corajoso neste mandato

Foto do author Lourival Sant'Anna
Por Lourival Sant'Anna , MARKALA e MALI
Atualização:

Se, aparentemente, as campanhas eleitorais são um exercício para os EUA enfrentarem seus grandes problemas, então a última foi um fracasso lamentável. A única solução de fato - uma estratégia que estimule um crescimento consistente de modo a reduzir as diferenças em termos de renda e alçar a classe média - nunca foi seriamente formulada. Pelo contrário, cada lado está concentrado em como garantir para a sua própria base uma fatia maior de um bolo que diminui cada vez mais. Essa campanha abominável produziu o pior dos resultados: o presidente Barack Obama venceu a eleição com uma plataforma que teve pouco a ver com os problemas fundamentais do país e era apenas uma pequena parte da solução - aumentar os impostos da classe rica - de modo que ele não tem muitos incentivos para repensar sua estratégia. E os republicanos não perderam a eleição como seria necessário - uma vez que controlam a Câmara - para precisar reavaliar totalmente a sua estratégia. Não é um bom augúrio. No seu livro As Consequências Morais do Crescimento Econômico, o economista de Harvard Benjamin Friedman argumenta que períodos de crescimento econômico foram essenciais para o progresso político americano. Os períodos de prosperidade econômica foram fases de grande harmonia e tolerância social, política e religiosa. No domingo, Annie Lowrey, do New York Times, escreveu um artigo citando Friedman no qual se pergunta se os EUA estariam entrando num ciclo inverso, "em que a ausência de crescimento vem provocando a paralisia política e a paralisia política sustentando a ausência de crescimento". Acho que Friedman está correto e o único modo de romper com esse ciclo fatal é por meio de uma liderança extraordinária. Republicanos e democratas teriam de governar exatamente da maneira oposta à que administraram suas campanhas. Deveriam oferecer projetos corajosos que não só desafiem a base do outro, mas a sua própria, e com isso mobilizem o centro, uma grande maioria, que apoiaria seu programa, pondo fim ao impasse. Se cada um dos partidos agisse assim não só teria sucesso, mas o país também ganharia. E como seria? Se o Partido Republicano tivesse cérebro, renunciaria às suas manobras sobre o teto da dívida e anunciaria seu desejo de iniciar negociações imediatas com o presidente Obama tendo por base o plano da sua própria comissão sobre o déficit, conhecida como Simpson-Bowles. Isso pelo menos faria do Partido Republicano novamente um grupo de oposição sério, com uma plataforma que realmente atrairia sua base e contestaria o presidente de maneira saudável. Primeiramente, os republicanos teriam de aceitar as reformas fiscais e os cortes de gastos contemplados na proposta Simpson-Bowles. Mas nem pensar. E é uma pena. Quanto a Obama, se pretende realmente liderar, terá finalmente de confiar a verdade ao povo americano. Adoraria vê-lo usar seu discurso de posse, na segunda-feira, e a mensagem sobre o Estado da União, em 12 de fevereiro, para, em duas cajadadas, oferecer um diagnóstico honesto e detalhado da situação e em seguida propor uma solução também honesta e detalhada. Quanto ao diagnóstico, ele precisa mostrar para os americanos o mundo em que estão vivendo hoje. É um mundo em que a velocidade crescente da globalização e a revolução da tecnologia da informação estão remodelando o emprego, o mercado de trabalho e a indústria. Em consequência, o mantra segundo o qual "se você trabalhar duro e observar as regras" terá uma vida de classe média já não funciona mais. Hoje você necessita trabalhar mais e com mais habilidade, aprender e reaprender mais rápido e esperar mais tempo para se inserir na classe média. Um emprego que requer apenas uma qualificação média e oferece um alto salário é coisa do passado. Hoje, ocupações com um salário decente ou mesmo alto exigem qualificações superiores, paixão ou curiosidade. A tarefa do governo é proporcionar aos cidadãos muitas oportunidades de aprendizado com vistas a aprimorarem essas qualificações. No Estado da União, gostaria muito que Obama detalhasse um plano de reforma fiscal, cortes de gastos e investimentos - que faça frente à real envergadura do problema e estimule o crescimento econômico. Os EUA se beneficiarão muito mais decidindo o que farão em todas as áreas e mostrando para os mercados que estão implementando uma estratégia de fato equilibrada, mas de modo gradativo. Se disserem aos investidores e poupadores que vão colocar a casa fiscal em ordem com um plano confiável, mas implantado gradativamente, todo dinheiro não investido, paralisado pela incerteza, certamente será utilizado e o país terá um real estímulo. No tocante ao investimentos, adoraria ver o presidente lançar o país numa jornada em que os desejos se realizarão. Meu desejo seria que todos os lares e empresas dos EUA se conectassem à internet a um gigabit por segundo, ou 20 vezes mais rápido do que a média nacional, em cinco anos. Numa era em que a mineração de grandes e complexos volumes de dados se tornará um enorme setor, o aprendizado constante será de uma necessidade vital, e como teremos de criar uma maneira pessoal para alcançar a prosperidade, nenhum projeto seria mais relevante do que este. Ainda acredito que as classes média e abastada devam pagar mais impostos e os programas sociais devam ser reduzidos se isso estiver inserido num plano justo que realmente resolva os desequilíbrios fiscais de longo prazo e leve os EUA no caminho de uma renovação que possa garantir que nossos filhos provem o sonho americano. Então, de novo, posso estar errado. Talvez minha geração dos anos 50 realmente pretenda ficar com tudo e deixar para nossos filhos uma dívida que é uma bomba relógio. Tomara que tenhamos um presidente em seu segundo mandato que, sem a preocupação de uma nova disputa pela presidência, esteja disposto a testar o que uma liderança realmente corajosa pode produzir. / TRADUÇÃO DE TEREZINHA MARTINO

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