As intenções ocultas dos norte-coreanos

Há dois meses, em 17 de dezembro de 2011, morreu Kim Jong-il, dirigente do país mais misterioso e opaco do planeta. Logo em seguida foi nomeado seu sucessor o jovem Kim Jong-un, seu filho de 28 anos sobre o qual pouco se sabia, apenas que estudara na Suíça, na Escola Internacional de Negócios de Berna, que praticava esqui e era um fã do jogador de basquete americano Michael Jordan e do ator Jean-Claude Van Damme. Como Kim Jong-un administraria essa sucessão, num país arruinado, consumido pela fome, isolado do mundo, possuidor da bomba atômica e herdeiro combalido do fanatismo comunista? Muita gente não acreditava no futuro desse país que surgiu no fim da Guerra da Coreia, que fez 2 milhões de vítimas e deu nascimento em 1953 a duas Coreias inimigas: a do Sul, ocidental e opulenta, e a do Norte, fechada, extenuada, miserável e confinada em sua solidão, sua desconfiança, seu segredo. A expectativa era de dificuldades e caos. Ora, contra todos os prognósticos, a vida retomou seu curso normal em Pyongyang. As pessoas que conseguem entrar no país trazem imagens aprazíveis - nada de frenesis, tampouco penúria. E outra prova dessa sucessão pacífica foi o pacto firmado entre Estados Unidos e a Coreia do Norte, que prevê a suspensão por Pyongyang do enriquecimento de urânio e testes com mísseis. Em contrapartida, o país deve receber 240 mil toneladas de alimentos, a título de ajuda, do governo do presidente Barack Obama. O regime norte-coreano, que fez dois testes nucleares nos últimos 15 anos, também aceitou o retorno dos inspetores da Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA) para controlar a moratória do complexo nuclear de Yong-byon, ao norte de Pyongyang. Só podemos nos espantar com a diferença de tom, nessa questão nuclear, entre o Irã, que continua a desafiar o universo (Israel e Estados Unidos em primeiro lugar), enriquecendo urânio para fabricar uma bomba atômica, e a Coreia do Norte, que, já de posse da bomba, aceita nada menos que suspender seu programa. Será o caso de concluir que o filho de Kim Jong-il deu as costas à diretriz seguida antes dele e prepara uma abertura da Coreia do Norte a novos ventos, está pronto para retirar o colete de ferro que há 70 anos tira o fôlego desse país desafortunado? Devemos imaginar, como alguns sugerem, que 30 anos após a reunificação das duas Alemanhas poderemos ver o mesmo cenário com uma reaproximação ou mesmo uma reunião das duas Coreias? É muito otimismo. Não é inimaginável, mas não é o caso no momento. O acordo que Estados Unidos acabam de firmar com Kim Jong-un estava em preparação bem antes da morte de Kim Jong-il. O filho apenas seguiu os passos do pai. Na verdade, o acordo já estava pronto em dezembro e foi a morte de Kim Jong-il que atrasou a assinatura. Ao menos, o pacto agora firmado vai na boa direção. Foi acolhido com satisfação no Ocidente, ainda que, no passado, a palavra da Coreia do Norte tenha sido tantas vezes quimérica, variável e esquecida que evitamos muito júbilo. Pelo menos o pior não sucedeu. / TRADUÇÃO DE TEREZINHA MARTINO    

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Por Gilles Lapouge
Atualização:

É correspondente em Paris

 

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