As lições que vêm de Paris-sobre-o-Tâmisa

A mistura de sujeira e inovação de Londres atrai franceses cansados de uma capital perfeita demais e sem energia; eles são 300 mil, o equivalente à sexta cidade da França

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Por É COLUNISTA , ROGER , COHEN , É COLUNISTA , ROGER e COHEN
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A beleza pode ser sufocante? Paris submete a teste essa proposição, uma cidade manicurada à perfeição que confinou sua subclasse imigrante aos subúrbios invisíveis e bruniu cada superfície de seu fascínio sedutor. Muitos jovens parisienses seguramente votaram com os pés, cruzando o Canal da Mancha para Paris-sobre-o-Tâmisa, vulgo Londres, para onde foram não tanto em busca de empregos - embora esses sejam mais abundantes -, mas pelo torvelinho global: aquela mistura estridente de inovação e sujeira ausente de uma Paris perfeita demais. Um novo colégio, uma nova estação de rádio (French Radio London) e uma nova seção eleitoral incluindo a Grã-Bretanha atestam o êxodo, assim como o aparecimento em Londres, na semana passada, do candidato socialista francês François Hollande, também conhecido por "Monsieur 75%". Mais disso abaixo.Ninguém sabe exatamente quantos franceses se mudaram - uma vez que os cidadãos da União Europeia não precisam se registrar -, mas vivem em Londres atualmente mais de 300 mil deles, o equivalente à sexta maior cidade francesa. A maioria tem menos de 40 anos. Eles aprendem o inglês e aprendem que a globalização não é apenas o catálogo de sofrimentos tão laboriosamente exposto pela esquerda francesa nas duas últimas décadas. Eles sentem, de uma tarde garoenta em Shoreditch, a misteriosa submissão da beleza à energia e da elegância à inovação. Hollande foi vender seu peixe a essa multidão de expatriados antes da eleição presidencial francesa no próximo mês. Ele foi esnobado por David Cameron, apesar do fato de o primeiro-ministro britânico ter sido esnobado recentemente em Bruxelas pelo presidente Nicolas Sarkozy. Líderes europeus, em congratulação mútua pelas poucas semanas sem uma crise geral do euro, agora se enturmam para evitar qualquer ruptura - uma vitória de Hollande, por exemplo - com a sedosa operação de salvamento do euro de Mario Draghi. Fora isso, porém, Hollande foi bem recebido. Há na Europa uma sede de crescimento, de algo diferente da austeridade franco-alemã e de um merecido castigo a todos aqueles banqueiros vistos como vilões de uma era de desigualdade. Hollande fez da especulação financeira seu principal alvo. "Eu queria vir a Londres para dizer que as finanças precisam estar a serviço da economia para criar riqueza e não para se enriquecerem na economia real", disse ele. Nenhuma pessoa sensata questionaria a colocação das finanças a serviço da economia, fora alguns poucos financistas. Mas a nova proposta de Hollande de impor um imposto marginal de 75% sobre rendas acima de 1 milhão é política populista da pior espécie. Ele declarou em 28 de janeiro que impor um hiperimposto sobre os muito ricos não daria certo. "Um imposto punitivo sobre uma minúscula fração de contribuintes não produziria muita arrecadação", disse ele. Hollande estava certo em janeiro e errado agora. Sua oscilação, embora pareça ter-lhe dado um leve impulso nas pesquisas, recoloca a questão do temperamento. Hollande é um homem extremamente inteligente e culto, mas será um vacilante? Ele conseguiu passar anos sem reformar o Partido Socialista francês numa época em que o restante da esquerda europeia estava ocupada livrando-se da luta de classes para se ajustar às exigências da modernidade e da globalização. Um imposto de 75%, somado a outros impostos e encargos sociais, significaria taxar os ricos em mais de 100%. Boa parte dos franceses mais ricos já se mudou. Os que não se mudaram, mudarão. O poder de votar com os próprios pés está evidente em Londres, uma cidade que encontrou forças no fluxo das coisas enquanto Paris dourava a inércia. Hollande precisa personificar uma nova esquerda francesa que não punirá os criadores de riqueza enquanto faz apelos pelo crescimento: sua proposta diz o contrário disso. A eleição francesa está perto demais para apelos. Sarkozy enfrenta alguns dos mesmos problemas de Barack Obama. Há os superficiais: desemprego alto, crescimento inconstante, déficits orçamentários. E há a questão central: nenhum dos dois encontrou uma maneira de se conectar com a nação de um modo que eleve os ânimos e crie uma convicção de que melhores dias virão. Essa é uma tarefa mais difícil na França, cuja atitude involuntária é a rabugice, do que nos EUA, onde o otimismo desbragado está na base de tudo. Mas assim como os americanos, os franceses mantiveram distância de seu presidente. Na França de Sarkozy, a questão é de vulgaridade percebida. Nos EUA, é uma questão de indiferença percebida. Em algum ponto entre essas percepções estão preconceitos mais profundos. Nos EUA, todo o absurdo sobre Obama ser um muçulmano ou um socialista europeu reflete parte da repugnância reprimida de seus adversários pelo fato de ele ser um afro-americano. Na França, Sarkozy é visto como um arrivista. Portanto, em teoria, a vitória de Hollande deveria ser uma barbada. Ele quer ser visto como "Monsieur Normal". Não creio que ser "Monsieur 75%" ajude. Isso o coloca num limbo. Ele quer aparecer como um homem do povo em contato com a França profunda repelida pelo estilo de vida extravagante de Sarkozy. Mas a França mudou, como a grande migração através do canal sugere. E a operação "Merkozy" de salvação do euro impediu a Europa de se desintegrar antes de a geração de novos europeus idealistas que vive em Paris-sobre-o-Tâmisa assumir as rédeas. Ponto para a improvisação confusa sobre a ordem bela. / TRADUÇÃO DE CELSO PACIORNIK

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