As manobras de Nixon no Caso Watergate

Gravações de telefonemas da Casa Branca revelam esforços do ex-presidente americano para contornar escândalo que provocou sua renúncia

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Por PETER BAKER
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Horas depois de pronunciar um discurso em cadeia nacional no qual afirmou que não pretendia "justificar" o Escândalo de Watergate, o então presidente Richard Nixon pediu, numa conversa particular com seu novo secretário de Justiça, que não nomeasse um promotor especial e sugeriu a um ex-assessor que evitasse questionamentos, afirmando que o caso se tratava de um assunto de segurança nacional. Uma série de gravações secretas divulgadas na terça-feira, as últimas a serem reveladas ao público, lançou nova luz sobre os esforços de Nixon para evitar que o escândalo crescesse ainda mais, na primavera de 1973. Na mesma noite, ele destituiu assessores de alto escalão e fez seu primeiro discurso sobre o episódio. Nixon ficou acordado até tarde fazendo e recebendo várias chamas telefônicas que contribuíram para aprofundar a operação de acobertamento. Embora recebesse telefonemas de apoio de Ronald Reagan, George H. W. Bush e Billy Graham, Nixon também fez questão de conversar com Elliot L. Richardson, que escolhera para ocupar o cargo de secretário de Justiça. No discurso em horário nobre, Nixon disse aos americanos que concedeu a Richardson "a autoridade para nomear um promotor especial". Mas, depois, ao telefone, falou em particular ao funcionário que não fizesse isso. "A única coisa sobre a qual eles vão insistir com você é sobre o promotor especial", disse Nixon. "A questão é que não sei se você deveria ter alguém." Em vez disso, prosseguiu, o próprio Richardson teria de "assumir a responsabilidade pela investigação". Mais tarde, Nixon conversou com Charles W. Colson, ex-consultor jurídico da Casa Branca, que assegurou ao presidente que não falaria sobre a atuação dos "encanadores" contra o vazamento, como ele chamava sua equipe. "Diga que queríamos proteger a segurança do país", aconselhou Nixon. Richardson recusou secamente a recomendação de Nixon e nomeou Archibald Cox como promotor especial. Meses depois, o secretário de Justiça demitiu-se do cargo para não obedecer à ordem do presidente para que demitisse Cox. Mais tarde, Colson se declarou culpado de obstrução da Justiça e foi condenado a sete meses de prisão. A sequência de telefonemas na noite de 30 de abril de 1973 faz parte das 340 horas de conversas gravadas divulgadas pela Biblioteca e Museu Presidencial Richard Nixon, na quarta-feira. Quarenta anos depois de Nixon afirmar que mandara instalar um sistema secreto de gravação, as preciosas gravações históricas revelaram-se uma oportunidade inigualável para conhecer as manobras de uma das presidências mais tumultuadas do país. As fitas de Nixon provocaram sua queda porque tornaram público o seu envolvimento no acobertamento do episódio de Watergate, mas proporcionaram aos historiadores uma melhor compreensão de alguns dos seus triunfos, como a abertura diplomática para a China e também um vislumbre do lado mais obscuro do 37.º presidente dos EUA. "Graças às fitas, Nixon, um presidente extremamente reservado, acabou governando a Casa Branca mais aberta da história", afirmou Gary J. Bass, um estudioso de Princeton cujo livro, The Blood Telegram, lançado recentemente, se baseia em parte nas gravações. "É possível bisbilhotar conversas secas, ultrassecretas, repletas de obscenidades e reconstituir como era o verdadeiro processo de decisão de Nixon, completamente diferente do de todos os outros governos." Luke A. Nichter, professor da Universidade do Texas A&M e um dos autores de um livro sobre as fitas, disse que nunca mais haverá revelações como essas. "As fitas nos mostram os altos e baixos da Casa Branca de Nixon, as realizações e a crescente sensação de desespero", afirmou. As últimas gravações cobrem as conversas de 9 de abril a 12 de julho de 1973, depois que o sistema de gravação foi desmantelado e quando um assessor de Nixon, Alexander Butterfield, revelou sua existência ao Congresso. As fitas incluem as conversas com Gerald Ford, Henry Kissinger, Alexander Haig, Brent Scowcroft e George Schultz - e com líderes mundiais como Willy Brandt, da Alemanha Ocidental, e Pierre Trudeau, do Canadá. Nixon discutiu com seus assessores o acordo de paz do Vietnã e a abertura para a China. A sessão de junho de 1973 com Leonid Brejnev, no Salão Oval, é a única reunião de cúpula russo-americana já registrada por um sistema de gravação presidencial. Mais uma vez, Nixon usa sua linguagem mais grosseira. A um funcionário do gabinete afirmou que Brandt não passava de "um idiota". Os chineses eram sutis, "não como os russos que, evidentemente, babam com a adulação". Em outra discussão, confidenciou que havia preparado um "acordo -bomba" com os soviéticos sobre a renúncia de armas nucleares. Os telefonemas feitos depois do seu discurso de abril de 1973 são ainda mais reveladores quanto à maneira como Nixon tratou Watergate. Ele acabara de obrigar H.R. Haldeman e John D. Ehrilchman, os assessores nos quais mais havia confiado, a se demitirem e destituíra seu conselheiro, John Dean III. Richard Kleindienst deixou o cargo de secretário da Justiça. Ansioso por saber das reações ao seu discurso, Nixon ficou ao telefone no Salão Lincoln até quase meia-noite, com sua filha Tricia Cox e seu genro David Eisenhower, que o ajudavam a selecionar e fazer as chamadas. Nixon achou Kissinger "um tanto circunspecto", mas, em geral, ficou animado com os elogios efusivos. O pregador Graham disse a Nixon que aquele era o "seu momento mais belo" e relatou que sua mulher considerava o Escândalo de Watergate "um complô comunista". Bush, na época presidente do Partido Republicano, expressou seu "enorme orgulho" por Nixon e seu menosprezo por aqueles que o criticavam na imprensa, chamando-os de "canalhas arrogantes". Antes de pegar o telefone para falar com Reagan, então governador da Califórnia, Nixon resmungou que ele deveria "se candidatar à presidência". Reagan retrucou: "Ainda estamos apoiando você e quero que saiba que está nas nossas orações". Embora tivesse afastado Haldeman do cargo, Nixon conversou duas vezes com ele. O presidente estava realmente aflito com a perda dos seus dois confidentes, mas também expressou sua irritação porque alguns outros não resolveram pedir demissão voluntariamente, o que ele não sugeriu a Haldeman. "Olha, está sendo uma coisa difícil, Bob, por você e por John, o resto", disse. Depois, com uma série de palavrões, prometeu: "Nunca mais vou voltar a discutir essa questão. Nunca mais." Então, num tom conclusivo, Nixon falou emocionado: "Deus o abençoe. Amo você como um irmão, você sabe disso. É isso aí, cara. Mantenha sua fé." Nixon admitiu que sua presidência continuava ameaçada. Em sua fala com Richardson, o presidente se voltou confiante para o homem que determinaria o futuro da investigação. "Você é o meu homem", disse o presidente. "E, por Deus, nós concordaremos com você até o fim. Compreendeu?" "Compreendi", respondeu Richardson. "Não o decepcionarei, sr. presidente", disse. "Ah, eu sei", replicou Nixon. "Foi por isso que o nomeei." Então, ele acrescentou a recomendação sobre o promotor especial. Mas recuou, dizendo "faça o que você quiser" e "vá fundo". Mais tarde, naquela noite, o presidente falou com Colson e defendeu a caça aos que revelaram as informações. "Todo esse negócio da operação dos encanadores é totalmente justificado, não é?", perguntou. Colson concordou: "Não quero falar sobre isso. Acho que eles não vão me obrigar." No entanto, um ano antes da renúncia, Nixon mostrou-se frustrado pelo fato de sua presidência ter sido arruinada por "um arrombamento de terceira categoria", como seu porta-voz o definiu. "Não é uma vergonha?", questionou Nixon. "E tudo porque essa porcaria não funcionou! Nada funcionou. Ninguém ganhou porcaria nenhuma com isso, com essa droga de grampo." / TRADUÇÃO DE ANNA CAPOVILLA *É COLUNISTA

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