As motoristas sauditas esperam ajuda de Hillary

A chanceler de 2011 devia lembrar a primeira-dama de 1995, que em Pequim disse: 'direitos das mulheres são os direitos humanos'

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Por Maureen Dowd
Atualização:

Teria sido emocionante, sem dúvida, se Hillary Clinton tivesse se inspirado em Aaron Sorkin e estapeado os bárbaros sauditas que obrigam as mulheres a se encolher sob uma sufocante lona preta. Como vociferou certa vez a personagem C. J. Cregg, interpretada por Allison Janney no seriado The West Wing, num comentário sobre a Arábia Saudita: "Estamos falando de um país onde as mulheres não têm permissão para dirigir; não podem estar na companhia de nenhum homem que não seja seu parente próximo e são obrigadas a respeitar um código de vestimenta que faz as freiras de Maryknoll parecerem bonecas Barbie modelo Malibu. Os sauditas decapitaram 121 pessoas no ano passado, todas acusadas de roubo, estupro e tráfico de drogas. O país não tem liberdade de imprensa, não realiza eleições para o governo, nem conta com partidos políticos. A família real permite que a polícia religiosa vague pela noite em grupos de seis, todos armados com cassetetes, e os agentes espancam as mulheres livremente e em público. Dezessete meninas estudantes foram forçadas a arder nas chamas até a morte porque não estavam trajadas de maneira adequada... Essa é a Arábia Saudita, nossa parceira na paz." Teria sido emocionante se a Hillary de 2011 tivesse simplesmente se inspirado na Hillary de 1995, quando, na condição de primeira-dama, ela fez seu ousado discurso em Pequim, declarando que "os direitos das mulheres são os direitos humanos". Em seu livro de memórias, Hillary escreveu que, apesar das pressões contrárias, ela estava determinada a fazer aquele discurso porque estava farta de ver "as preocupações fundamentais das mulheres" serem sacrificadas "em nome de interesses diplomáticos, militares e comerciais". Assim, foi surpreendente quando, na segunda-feira, as ativistas feministas sauditas, lutando para trazer a primavera árabe à medieval Casa de Saud com a insistência para que fosse concedido às mulheres o direito de dirigir, repreenderam Hillary por seu silêncio. O gabinete de Hillary respondeu dizendo que a secretária tinha usado a "diplomacia discreta" - mencionando a questão, somada a outros temas mais urgentes, num telefonema feito ao ministro saudita das relações exteriores. Na terça-feira, a secretária de Estado - que trabalhou duro nos bastidores e cujo legado será moldado por seu apoio aos direitos das mulheres em todo o mundo - percebeu que precisava ser um pouco mais estridente. "O que essas mulheres estão fazendo é corajoso e aquilo que almejam é certo, mas a luta pertence a elas", disse aos repórteres, acrescentando que desejava "sublinhar e enfatizar que essa questão não envolve os Estados Unidos. Não se trata daquilo que nenhum de nós tem a dizer", e sim das "próprias mulheres". Um liberal saudita me disse que Hillary deveria soltar a voz: "Hillary deveria ser mais direta e se esquecer do petróleo. Ela deveria também se concentrar na difícil situação das domésticas na Arábia Saudita. Uma doméstica indonésia foi decapitada no país dois dias atrás por ter matado seu patrão. Muitas trabalhadoras estão no corredor da morte e não recebem um julgamento justo". Ninguém esperava que Hillary fosse exuberante como as feministas ucranianas que dirigiram seus carros ao redor da embaixada saudita em Kiev, cobrindo o rosto e mostrando os seios. Hillary é agora uma diplomata. Ela sabe que é difícil pressionar os beduínos, que se tornam teimosos e defendem com afinco cada vez maior seus próprios pontos de vista. Os sauditas preferem que concessões sejam vistas como presentes. Interessados no petróleo saudita, os EUA nunca lutaram com determinação suficiente em defesa das mulheres oprimidas no reino autoritário. "Temos assuntos mais importantes para resolver", disse-me um funcionário do alto escalão do serviço diplomático esta semana. Os sauditas estão indignados com o presidente Barack Obama por sua hesitação diante de um Estado palestino e "sua fidelidade indevida a Israel", como escreveu o príncipe Turki al-Faisal, ex-embaixador saudita nos EUA, num artigo publicado no Washington Post. O príncipe disse que a Arábia Saudita e outros países árabes ajudarão os palestinos a desviar dos entraves colocados por EUA e Israel na busca pelo seu Estado nas Nações Unidas. O Arab News relatou que a campanha Mulheres Sauditas pelo Direito de Dirigir, organizada via internet, foi "considerada um fracasso, pois quase nenhuma mulher dirigiu naquele dia", apenas cerca de 40 delas, e a maioria não continuou a dirigir. Fãs sauditas do rei Abdullah, de 87 anos, responsável pela inauguração da primeira universidade mista do reino, estão frustrados e surpresos ao ver que ele ainda não permitiu que as mulheres dirigissem. O motivo da demora seria a resistência do ultraconservador príncipe Nayef bin Abdel Aziz, ministro do interior considerado o responsável pela detenção da primeira motorista, Manal al-Sharif, que ficou nove dias presa. Diz-se que Nayef estaria pedindo ao rei, mais progressista, que lhe desse mais tempo para se preparar para as mulheres motoristas. Levando-se em consideração o estado deteriorado de saúde do rei e a doença de seu meio-irmão, o príncipe herdeiro Sultan, as chances de conferir às mulheres o direito de dirigir podem estar se esgotando. Nayef, há muito o encarregado da odiosa polícia religiosa - cujos agentes deixaram que aquelas estudantes morressem no incêndio em Meca simplesmente porque elas não estavam usando lenços sobre a cabeça -, é um dos postulantes a substituto do príncipe herdeiro, e é muito improvável que ele protagonize um momento "Nixon-na-China" em se tratando das liberdades femininas. A justaposição das imagens diz tudo. Uma sorridente Michelle Obama ao lado das filhas se reunindo com Nelson Mandela foi um lembrete claro do quanto a África do Sul avançou desde que, sob pressão, pôs fim ao apartheid racial. A pequena e corajosa manifestação das mulheres de preto foi um lembrete claro de que a Arábia Saudita, sob pouca pressão, ainda está presa no apartheid dos gêneros. / TRADUÇÃO DE AUGUSTO CALILÉ COLUNISTA

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