As possíveis reações de Bashar Assad

Sob ataque dos EUA, o ditador sírio poderia recorrer a atentados terroristas contra países vizinhos ou alvos americanos, opção retaliatória mais barata e mais provável para seu regime

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Atualização:

É cada vez mais provável que os EUA e seus aliados decidam lançar nos próximos dias um ataque militar limitado com o objetivo de punir a Síria pelo uso de armas químicas no dia 21. Mas, ao mesmo tempo, o presidente americano, Barack Obama, deixou claro que pretende alcançar esse objetivo sem destruir o regime do sírio Bashar Assad, sem matar inocentes ou provocar uma escalada regional da guerra. Embora os EUA tenham um considerável arsenal à disposição, incluindo navios na região armados com dezenas de mísseis Tomahawk, seu desafio será calibrar a resposta de maneira adequada. O uso de força muito reduzida poderia ter um efeito excessivamente limitado e uma força excessiva poderia provocar reação contrária. Os EUA não estão sozinhos na delicada busca de uma ação equilibrada. Assad também precisa avaliar cuidadosamente suas opções enquanto decide se responderá a um ataque americano antecipado sem desencadear a ira das forças dos EUA e, consequentemente, pôr em risco sua própria sobrevivência. Prever a resposta de Assad exige, em parte, que se compreenda a razão que o levou a usar armas químicas. Uma decisão ditada por frustração ou desespero? Se o regime acredita que precisa manter a opção do uso de armas químicas, talvez esteja mais propenso a responder. Ou terá sido um passo em falso, refletindo divisões no próprio regime ou uma duvidosa capacidade de comando e de controle? Nesse caso, a retaliação poderia ser menos provável. A resposta de Assad dependerá, talvez num grau maior ainda, do teor da ação americana e de como ele entende a estratégia e as intenções americanas. Um ataque será considerado apenas um gesto simbólico? Substantivo, porém limitado? Ou fará parte de uma nova iniciativa para derrubar o regime? Um regime em pânico, que percebe sua sobrevivência ameaçada, provavelmente, cometerá erros ou decidirá pela escalada. Por outro lado, também poderá se sentir confiante e julgar que um ataque indica uma fraca determinação americana e internacional. Na tentativa de reduzir o risco da escalada, Obama telegrafou publicamente suas intenções a Assad, deixando claro que o objetivo dos EUA não é a derrubada do seu regime. Mensagem semelhante foi dirigida aos principais aliados da Síria: Rússia e Irã. Embora ambas as partes se preocupem em calibrar ação e resposta, os acontecimentos sempre podem fugir do controle. Assad conhece muito bem a "lei das consequências indesejadas" desde o início de sua presidência. Em 2005, o assassinato do ex-premiê libanês Rafik Hariri, atribuído ao Hezbollah, obrigou as tropas sírias a abandonar o país. Em 2007, os esforços sírios para criar secretamente uma capacidade nuclear acabaram quando Israel bombardeou o local que abrigaria o reator. Em 2011, a violenta repressão dos protestos, em grande parte pacíficos, acabou deflagrando a sangrenta guerra civil atual. O uso de armas químicas, no dia 21, é mais uma ação cujas consequências - a ameaça de um ataque militar americano - quase certamente não foram as previstas por autoridades sírias. Além disso, na incerteza da guerra, as informações são imperfeitas e bombas e mísseis nem sempre caem no lugar certo. Considerando a morte de centenas de civis provocada pelo bombardeio americano do abrigo de Amiriyah, em Bagdá, em 1991, além do bombardeio acidental da embaixada chinesa em Belgrado, em 1999, desta vez será imprescindível que os americanos tenham a certeza do que não deverão atingir. Se um ataque provocar elevadas perdas entre os civis ou custar a vida de importantes figuras do regime, Assad poderá sofrer maiores pressões para reagir. Quando - e se - os EUA atacarem (provavelmente centros de comando e controle, aeroportos e sistemas de armas e abastecimento), Assad poderá fazer muito pouco além de transmitir condenações retóricas. Entretanto, ainda disporá de várias opções retaliatórias que os EUA e seus aliados precisarão considerar. Embora seja improvável, se o líder sírio acreditar que o fim está próximo, poderá atacar países vizinhos com mísseis equipados com armas químicas. A Síria tem um enorme arsenal químico sem uso que poderá sobreviver ao primeiro ataque militar americano. Se o alvo da Síria for Israel, isso motivará uma retaliação israelense imediata e decisiva, mas o dano já terá sido feito. Embora as defesas antimísseis de Israel sejam mais fortes do que as de qualquer outro país, nenhum sistema é perfeito. Jordânia e Turquia também correm riscos. No primeiro país, estão milhares de soldados americanos desde junho, sistemas de mísseis Patriot, caças e os respectivos pessoal e sistemas de suporte, comando, controle e de comunicação. A Turquia tem as mesmas baterias de mísseis Patriot instaladas em países-membros da Otan. Todos esses sistemas são capazes de interceptar mísseis balísticos e sua presença evidencia o compreensível nervosismo dos aliados regionais dos EUA. Assad poderá atacar aliados dos EUA com meios convencionais, mas essa estratégia teria efeitos limitados e quase certamente seria contraproducente, porque a maioria dos aliados americanos será capaz (principalmente com a ajuda dos EUA) de se proteger das forças sírias já prejudicadas pela guerra. Consciente de sua limitada capacidade convencional, talvez Assad tente arrastar seus aliados para uma guerra contra Israel. Embora o Hezbollah já tenha milhares de homens na Síria combatendo ao lado das forças do regime, atacar Israel diretamente comportaria o risco de outra guerra semelhante à de 2006 no Líbano. Além disso, apesar do zelo e do entusiasmo do Hezbollah para combater Israel, a organização se encontra numa situação politicamente difícil no Líbano, o que provavelmente a impediria de abrir simultaneamente duas frentes militares em larga escala. Considerando seu investimento a longo prazo no Hezbollah, seria improvável que, neste momento, o aliado libanês do Irã fosse arrastado para uma luta devastadora contra Israel. Parlamentares iranianos sugeriram que se a Síria for atacada, o Irã deverá retaliar contra Israel diretamente, mas nem o líder supremo do Irã nem o seu presidente fizeram tais afirmações. Isso não garante que o Irã permanecerá à margem dos fatos - em teoria, Teerã poderia decidir atacar instalações americanas no Golfo - mas isso é extremamente improvável, considerando os enormes riscos e consequências da ação. Assad poderia recorrer a ataques terroristas contra países vizinhos ou contra alvos americanos no Oriente Médio. Essa é a opção retaliatória mais barata e mais provável para Assad. Entretanto, não está claro se a Síria tem capacidade de organizar tais ataques e, ao contrário, se poderá achar necessário solicitar a assistência do Irã ou do Hezbollah. O ataque a um ônibus de turistas em 2012, na Bulgária - pelo qual o Hezbollah foi culpado, o que levou a União Europeia a adotar medidas contra o grupo -, mostra que mesmo operações cuidadosamente planejadas podem dar errado ou ser contraproducentes. Assad poderia intensificar a guerra civil e castigar ainda mais duramente as áreas controladas pelos rebeldes para mostrar que não se sentiu intimidado. Adotaria uma posição inteligente e não voltaria a usar armas químicas. Mas, mesmo uma escalada convencional que resulte em grande número de vítimas civis - por exemplo, pelo maior uso de mísseis -, tem o risco de provocar uma reação americana. Também é duvidoso que o Exército sírio tenha capacidade para intensificar a guerra. Todos os sinais de Washington indicam que o ataque americano será limitado. A estratégia de Obama não mudou. Busca sempre uma solução política entre o governo e a oposição (ainda dividida). O que se espera é que, dadas a enorme quantidade de munições e armas leves recebidas recentemente pelos rebeldes sírios e com o provável ataque americano, a oposição receba a ajuda de que precisa para ir à mesa de negociação em Genebra mais animada e numa posição fortalecida para negociar. Entretanto, não deverá surpreender se os rebeldes, enfurecidos com os ataques químicos e encorajados por um ataque americano, endurecerem suas posições. Tampouco devemos esperar ponderação por parte dos elementos jihadistas mais radicais afiliados à Al-Qaeda. Eles também o considerarão um incentivo para aumentar a pressão até a derrubada de Assad. / TRADUÇÃO DE ANNA CAPOVILLA

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