29 de setembro de 2021 | 08h00
O recente surto de tensões entre o Kosovo e a Sérvia, o pior numa década, pode ser explicado pela questão sensível da minoria sérvia neste país de maioria albanesa, uma comunidade que se recusa a submeter-se às autoridades de Pristina.
A Sérvia nunca aceitou a independência declarada em 2008 pela sua antiga província do Kosovo, que é reconhecida pela maioria dos países ocidentais, e as relações continuam difíceis.
Eis alguns fatos sobre a última crise entre Belgrado e Pristina, cujas relações complicadas constituem um obstáculo importante à eventual integração europeia.
Eclodiram em 20 de setembro, quando Pristina enviou policiais especiais do Kosovo fortemente armados para o norte do país, uma região de maioria sérvia.
A polícia devia controlar a decisão de Pristina de proibir as placas automotivas sérvias no território.
Os motoristas sérvios que entram no Kosovo são agora obrigados a fixar placas kosovares temporárias. Os muitos sérvios no norte do Kosovo que conduzem com placas sérvias são obrigados a fazer o mesmo.
Pristina afirma que se trata de uma medida de “reciprocidade”, uma vez que os veículos com placas “República do Kosovo” — não reconhecidas por Belgrado — têm sido forçados durante anos a utilizar placas sérvias temporárias para entrar na Sérvia.
Em resposta, centenas de sérvios, com o apoio de Belgrado, bloquearam as estradas que conduzem aos dois postos fronteiriços do norte do Kosovo, Jarinje e Brnjak, impedindo o tráfego.
Ironicamente, a população sérvia local é a mais afetada, uma vez que depende fortemente das ligações com a Sérvia e muitos sérvios do norte trabalham, estudam ou procuram tratamento médico na Sérvia.
Belgrado elevou o nível de alerta do seu exército na zona fronteiriça, colocou veículos blindados a dois quilômetros de distância e seus caças voaram sobre a área pela primeira vez desde a guerra mortal entre as forças sérvias e os combatentes da independência albanesa (1998-99).
A KFOR, força da Otan responsável pela segurança do Kosovo desde o fim do conflito, que deixou 13.000 pessoas mortas, na sua grande maioria albaneses, reforçou as suas patrulhas.
Estes são os incidentes mais graves desde 2011, quando o Kosovo colocou a polícia nos postos fronteiriços e os sérvios reagiram bloqueando as estradas.
A situação acalmou após a mediação da KFOR.
Dos 1,8 milhões de habitantes do Kosovo, cerca de 120.000 são sérvios, na sua maioria leais à Sérvia como “pátria” e ao presidente sérvio, Aleksandar Vucic.
Estes laços são especialmente fortes entre os 40.000 sérvios do norte, devido à sua proximidade geográfica com Belgrado, que os financia ao mesmo tempo em que os encoraja a rejeitar a autoridade de Pristina.
Na parte sérvia da grande cidade dividida do norte de Mitrovica, todos os vestígios do Kosovo desapareceram.
As bandeiras sérvias estão por toda a parte, o dinar sérvio (moeda local) domina e os habitantes não pagam impostos nem eletricidade porque as instituições kosovares as abandonaram.
Os outros 80.000 membros da minoria sérvia, espalhados em enclaves por todo o Kosovo, são mais pragmáticos e cooperativos com os albaneses.
O Kosovo quer que a sua soberania seja reconhecida não só na cena internacional, onde os vetos chineses e russos o impedem de ser membro da ONU, mas também em todo o seu território.
O primeiro-ministro de esquerda Albin Kurti acusa Belgrado de querer “provocar um conflito".
Aleksandar Vucic disse que só daria 24 horas à Otan para reagir se os sérvios do Kosovo fossem ameaçados.
Belgrado exige a implementação de um acordo assinado em 2013 sobre a criação de uma associação de municípios onde vive a minoria sérvia, mas que ainda não foi implementado.
Segundo os analistas, este não é um bom momento para um compromisso, uma vez que tanto o Kosovo como a Sérvia enfrentam eleições locais em outubro, e as nacionais na Sérvia no próximo ano.
"Estamos diante de um programa de propaganda política que terminará dentro de poucos dias", diz o analista militar sérvio Aleksandar Radic ao canal N1.
Mas a situação permanece volátil porque um incidente no terreno pode degenerar.
Com o apoio dos EUA, a UE, que há dez anos lidera um diálogo estagnado, exige uma “desescalada” e tenta convencer as duas partes, cujos negociadores estarão em Bruxelas na quarta-feira, a negociar.
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