Às vésperas de eleição, problemas que levaram à queda de Mubarak persistem

Após a revolução. Quinze meses depois da derrubada do ditador egípcio, população ainda busca alguém que enfrente o alto índice de desemprego e tome medidas contra a crise econômica causada por sumiço dos turistas e diminuição dos investimentos externos

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Por Roberto Simon e CAIRO
Atualização:

Passados 15 meses desde a queda do ditador Hosni Mubarak, o Egito começa a escolher esta semana seu próximo presidente, na primeira eleição presidencial livre da história do mundo árabe. Nas ruas do Cairo, porém, o clima é uma mistura de otimismo e cautela em relação ao futuro. As causas econômicas e sociais da revolta de janeiro de 2011 não apenas permanecem, como estão rapidamente se agravando. Treze candidatos disputarão, na quarta e quinta-feira, o primeiro turno da eleição. Pelo menos quatro têm chances de passar para o segundo turno: Amr Moussa, ex-chanceler de Mubarak; Abdel Moneim Aboul Fotouh, dissidente da Irmandade Muçulmana; Ahmed Shafiq, último premiê da ditadura; e Mohamed Morsi, indicado pela Irmandade Muçulmana (mais informações nesta página). Nenhum deles deve levar mais de 50% dos votos esta semana, estendendo a disputa para o segundo turno, marcado para meados de junho. No dia 1.º de julho, a junta militar que governa o Cairo desde a queda de Mubarak deve deixar de existir.Violência. No breve espaço de tempo entre o fim da ditadura e o primeiro turno das eleições, a política egípcia deu várias voltas. Foram três governos de transição, uma consulta constitucional, eleições legislativas, o início do julgamento de Mubarak, além da formação - seguida de dissolução - de uma Assembleia Constituinte. A violência continuou mesmo após a queda do regime de Mubarak, matando outras dezenas ou centenas de pessoas. Cerca de 12 mil civis foram julgados em tribunais militares em meio à transição. Laico ou islâmico, ex-opositor ou veterano da ditadura, o primeiro presidente eleito do Egito terá de enfrentar uma economia à beira do abismo, em um país onde 40% da população vive abaixo da linha da pobreza, com mais de um terço de analfabetos. Desde a queda de Mubarak, a economia estagnou e dois terços das reservas do Banco Central evaporaram, juntamente com os investimentos externos e os turistas. Em um caso único no mundo, foi o Exército do Egito, que controla grande parte da economia, que socorreu o BC com um empréstimo de US$ 1 bilhão - segundo alguns, para melhorar sua imagem enquanto reprimia manifestantes na Praça Tahrir."Não estamos vivendo apenas uma mudança de regime, mas uma mudança de modelo econômico", afirmou ao Estado Ahmed el-Sayed el-Naggar, economista-chefe do centro de pesquisa Al-Ahram, do Cairo. "Com Mubarak, a corrupção vinha de cima, institucionalizada, para alimentar uma elite predatória."Por causa da estrutura etária de sua sociedade, o Egito tem de criar anualmente 175 mil empregos só para dar conta do crescimento da população economicamente ativa. Oficialmente, o desemprego subiu 25% desde o fim da ditadura e está na marca de 13%. Naggar, porém, afirma que a cifra real é de pelo menos 27%.Inquietações e ressentimentos entre a comunidade internacional e os egípcios dificultam uma saída. O FMI prometeu um pacote de US$3,2 bilhões pouco após a queda de Mubarak, mas os técnicos do fundo indicam que só liberarão o dinheiro se a Irmandade - que tem mais de 40% das cadeiras do Parlamento - se comprometer publicamente com o acordo. A boa relação que o FMI tinha com Mubarak ainda incomoda vários grupos que estão assumindo o poder no Cairo. "O fundo nunca questionou as cifras oficiais e foi totalmente conivente com a ditadura em nome de uma suposta estabilidade", diz Naggar.Vazio. No cotidiano dos egípcios, o efeito mais evidente é a queda no turismo, principal fonte de renda do país ao lado da exploração do Canal de Suez e da venda de gás. Turistas costumam visitar o Egito de setembro a abril e a revolta começou no mês janeiro, no meio da temporada. Mesmo após 15 meses, com os preços mais em conta, o fluxo de estrangeiros é baixo."Hoje ganho um oitavo do que ganhava antes da queda de Mubarak", diz Akram Essam, guia formado pela Faculdade de Turismo do Cairo. "Faço descontos de 50%, mas americanos e europeus acham que o Egito, a Líbia e a Síria são uma coisa só nessa tal Primavera Árabe."A expectativa é a de que a indústria do turismo renda vários votos para os candidatos ligados ao antigo regime, que construíram a campanha em torno da promessa do retorno da autoridade e do fim da "anarquia".Um dos eleitores que seguirá essa lógica é o sapateiro Fawzi Chalabi, de 70 anos, um dos mais antigos vendedores do Khan el-Khalili, o mercado local. Chalabi diz que votará no ex-chanceler ou no ex-premiê de Mubarak em busca do retorno "da ordem e do turismo" ao Egito. "Sem a primeira, não haverá o segundo", afirma, entre tragadas de narguilé.

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