Assad pode arrastar Rússia para atoleiro

O que o presidente russo Vladimir Putin fará agora, depois de enviar um número limitado de aviões e algumas unidades militares para a Síria com o objetivo de aumentar o apoio ao presidente sírio Bashar Assad, mostrará o que aprendeu com a desastrosa invasão da União Soviética no Afeganistão, em 1979. Por outro lado, as ações do presidente americano Barack Obama na Síria demonstram que, no Iraque e no Afeganistão, ele assimilou as lições que os EUA deveriam ter aprendido há quase 40 anos no Vietnã.

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Por Walter Pinkus
Atualização:
O presidente sírio, Bashar Assad Foto: REUTERS/SANA

"A não ser que as partes se reúnam para acertar alguma forma de convivência, não haverá grau de envolvimento militar dos EUA que permita solucionar o problema", disse Obama, ao falar do que aprendeu das experiências anteriores. E advertiu os que exigem um papel mais ativo das forças armadas americanas na Síria: "Acabaremos fazendo muito pouco ou não fazendo a menor diferença; desse modo, perderemos a credibilidade, ou nos encontraremos mergulhados cada vez mais numa situação insustentável". É por isso que Obama previu que "a tentativa da Rússia e do Irã de apoiar Assad e tentar pacificar a população só contribuirá para que eles afundem num atoleiro, e então fracassarão". Evidentemente, os críticos de Obama não veem a situação dessa maneira. Num discurso no Senado, o senador John McCain afirmou que a política do governo Obama na Síria "confundiu o excesso de cautela com a prudência e substituiu o risco implícito numa ação com os perigos da falta de ação". E acrescentou: "Vladimir Putin acaba de entrar no naufrágio da política desse governo no Oriente Médio". Mas é a política síria de Putin que agora enfrenta o naufrágio. Como aconteceu em 2014, quando Putin apoiou o então presidente da Ucrânia, Viktor Yanukovich, que acabou expulso do poder, o líder russo tenta manter no poder outro inevitável perdedor. O apoio de Moscou ao governo ditatorial da família Assad na Síria remonta à Guerra Fria, quando Damasco se aliou à URSS. Em 1971, Hafez Assad, pai do atual presidente, chefiou um golpe e tomou o controle do governo sírio, assinando um pacto de segurança com Moscou. Em troca, Assad concedeu aos soviéticos uma base naval em Tartus, até o presente momento o único porto de Moscou no Mediterrâneo.Conflito. Desde a revolta contra o regime de Assad, iniciada na primavera de 2011, os americanos se ativeram à afirmação de Obama naquela época: "Chegou o momento de o presidente Assad deixar o poder". Menos divulgado foi o que ele disse imediatamente em seguida: "Os EUA não podem impor, e não imporão, essa transição à Síria. Cabe ao povo sírio escolher os próprios líderes e nós ouvimos o seu forte desejo de que não haja uma intervenção externa em seu movimento". No entanto, Putin apoiou desde o início o regime de Assad e a Rússia bloqueou as duas primeiras resoluções da ONU - em maio e junho de 2011 - que condenavam o governo sírio pelo uso da força bruta contra sua própria população civil. Desde então, a Rússia continuou fornecendo assessores militares e armas ao regime sírio, como helicópteros que usam bombas de fragmentação para atacar os seus alvos. Apesar da ajuda, o regime de Assad vem perdendo terreno para as unidades militares dos rebeldes, entre as quais se encontram grupos sunitas e jihadistas pró e contra os americanos - como o Estado Islâmico e combatentes favoráveis à Al-Qaeda. No início de setembro, segundo o Instituto de Estudos da Guerra (ISW na sigla em inglês), o regime perdeu o controle de grande parte do território no noroeste do país, onde se encontra não apenas a base da família Assad, mas também a base naval russa. Um problema para Assad é que o exército sírio sofre de uma "persistente escassez de efetivos em razão da extensão, dos atritos e da evasão endêmica dos recrutas, o que leva cada vez mais o regime a depender de grupos que combatem em nome dos iranianos, como o Hezbollah libanês," informou o ISW. A Síria é 70% sunita, enquanto Assad e seus colegas nos mais altos escalões do poder são alauitas, um ramo do Islã xiita. O potencial colapso militar do único aliado árabe de Moscou forçou Putin a entrar com aviação e forças terrestres para proteger Assad. Finanças. "Putin teve de ir à Síria, não em razão de sua força, mas por sua fraqueza, porque o regime do seu cliente Assad estava se esboroando e seria insuficiente para ele limitar-se a enviar armas e dinheiro", concluiu corretamente Obama. Apesar do que afirmam os críticos do presidente americano, Putin não está agindo em razão de sua força. O que não teve muita publicidade nos Estados Unidos são os problemas financeiros internos de Putin. A queda dos preços do petróleo, além das sanções impostas pelos EUA e pela Europa em consequência da tomada da Crimeia e da ofensiva militar no leste da Ucrânia, deverão reduzir em 3% o Produto Interno Bruto da Rússia este ano. Estranhamente, Donald Trump é talvez o único pré-candidato às eleições presidenciais dos EUA pelo Partido Republicano que entendeu corretamente a questão, quando, no programa Meet the Press da NBC, previu: "Não estou apenas justificando Putin. Mas vocês vão ver, ele poderá ficar atolado por lá. Ficará lá. Gastará uma fortuna. Terá de pedir que o tirem de lá". / TRADUÇÃO DE ANNA CAPOVILLAWALTER PINKUS É COLUNISTA DO THE WASHINGTON POST

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