Assassinato na Sérvia deveria trazer reflexão para Bush

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Por Agencia Estado
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Belgrado, a capital da Sérvia, está em estado de choque depois do assassinato do primeiro-ministro Zoran Djindjic. Compreende-se esta infecção: a morte de um grande líder político é um drama. E na Sérvia, mais do que em qualquer outro lugar. O país acabara de sair, com dor, de dez anos de sangue, durante os quais a antiga Iugoslávia do marechal Tito se despedaçou. E quando a Sérvia começava a reencontrar um pouco de calma, eis que um novo abismo se abre com esse crime. Os responsáveis ocidentais, eles também, ficaram perturbados. A morte de Djindjic trouxe de volta o calvário, para a diplomacia ocidental, que foram os dez anos de Milosevic. Esse assassinato é um pré-golpe. É a última confusão da Sérvia de Milosevic. Explica-se pela lembrança dos anos de chumbo. Djindjic foi um dos que deram o golpe no tirano Milosevic. Foi sob seus auspícios que Milosevic foi entregue ao Tribunal Internacional de Haia. Além disso, as convulsões que a Sérvia atravessa depois da queda de Milosevic explicam-se também pelos ajustes de contas, os ciúmes e as rivalidades que causam estrago entre as diversas facções da nova Sérvia, dita democrática. As democracias ocidentais devem entender os ecos das balas que mataram o primeiro-ministro. Vale recordar: o Ocidente prometeu maravilhas aos sérvios. Que os acompanharíamos na construção de uma verdadeira democracia. Aquelas eram promessas. Qual foi a ajuda dos EUA à jovem democracia sérvia? Quase nenhuma, algumas migalhas, às quais foram acrescentadas, durante seis meses, os pedidos para que enviassem ao tribunal de Haia os outros responsáveis pelos horrores cometidos sob o regime de Milosevic. Para além das lambanças do Ocidente, o crime de Belgrado sugere outras reflexões: uma democracia não se decreta. Ela não pode ser instaurada em um dia e, em todo caso, não por ordem de ninguém. É um processo muito lento, complicado, que exige não apenas instituições, mas metamorfoses de espírito, uma cultura, uma memória. E mesmo que às vezes seja útil receber incentivos externos, ela não pode ser nada mais do que obra de um povo. A democracia não se vende em kits, com serviço de atendimento personalizado. Sob essa luz, a confusão de Belgrado convida a prestar atenção no país que se tornou centro do mundo, por vontade de George W. Bush, depois de seis meses: o Iraque. Claro, a Sérvia e o Iraque são diferentes. Mas, nos dois casos, o Ocidente ou os Estados Unidos prometeram que a deposição do tirano marcaria o retorno à democracia. O mesmo engajamento foi tomado no Afeganistão: a guerra de Cabul reabriria as portas do paraíso democrático no Afeganistão. Um ano mais tarde, o que se vê: chefes militares violentos e despóticos desafiando o manipulado governo central. Ataques da Al-Qaeda contra os soldados de Cabul e até contra os soldados americanos. A confusão. A corrupção. A anarquia e o despotismo ao mesmo tempo. Em suma, o contrário da democracia. Pode-se temer que o pós-guerra no Iraque seja recheado de decepções e horrores: reinstalar a democracia em um país afetado por 20 anos de tirania e dez anos de embargo americano, garantir a marcha em direção à unidade de um país, o Iraque, que é dividido entre sunitas, xiitas, curdos, árabes, turcomanos e os assírios, essa será uma tarefa digna de engrossar a lista de trabalhos de Hércules. E George W. Bush não tem a cabeça de um Hércules político. Entretanto, ele garantiu que iria restabelecer a democracia no Iraque e que, pouco a pouco, todos os países do Oriente Médio haveriam de entrar, como vacas de presépio, no estábulo da democracia. Irã, Palestina, Afeganistão, Iraque, Arábia, Síria, todos em marcha na direção do sol sereno da democracia! Só vendo para acreditar! É verdade que em seu último número, a New York Times Magazine afirma que o governo Bush não pensa mais no estabelecimento de uma democracia no Iraque imediatamente.

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