Ataque Damasco, fale com o Irã

EUA devem buscar um acordo de paz, pois a vitória de qualquer lado na Síria será ruim

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Por Anatol Lieven
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A necessidade de uma resposta americana imediata na Síria para desencorajar a repetição do uso de armas químicas não muda o dilema fundamental da política local, que é, por razões muito boas, que os EUA não querem que nenhum dos lados vença essa guerra. A vitória de qualquer lado significaria massacres pavorosos e limpeza étnica, além de uma ameaça potencializada de terrorismo internacional. Tudo isso é bem conhecido pelos articuladores políticos em Washington, o que explica a cautela elogiável do presidente Barack Obama. O que o governo americano precisa fazer agora é começar a pensar seriamente os contornos reais de um acordo de paz sírio - e transformar a crise do país árabe numa oportunidade de repensar sua estratégia geral no Oriente Médio. No longo prazo, se a Síria não se desintegrar como nação, terá de haver um acordo de paz que garanta a divisão de poder entre os seus diferentes grupos étnico-religiosos. A participação de Rússia, Irã e Iraque em semelhante acordo será evidentemente fundamental. Washington precisa separar, portanto, sua retórica moral imediata para justificar um ataque, da linguagem que usa com Moscou, Teerã e Pequim a respeito da Síria. Seria útil, a esse respeito, que as autoridades americanas lembrassem de dois fatos. O primeiro é que o medo que a Rússia tem das consequências de uma vitória rebelde não é maldoso nem irracional - e é compartilhado por muitos analistas da CIA, do Departamento de Estado e do governo israelense. O segundo é que, em 1988, quando Saddam Hussein utilizou armamento químico contra rebeldes curdos e tropas iranianas, Washington permaneceu cautelosamente em silêncio para não auxiliar o lado iraniano na guerra contra o Iraque. Esse silêncio da parte de Washington não justifica a inércia agora, mas seguramente deve desencorajar a demonização dos que, por razões legítimas, temem as consequências de ações dos EUA na Síria. A linguagem americana com Moscou, Teerã e Pequim deve se caracterizar pela discordância respeitosa - e não pela intimidação arrogante e hipócrita. A importância da Rússia no conflito na Síria reside tanto em seus laços com o regime do Baath como em suas boas relações com o Irã. Uma consequência profundamente negativa da intensificação da crise na Síria tem sido solapar a possibilidade de um novo diálogo com o Irã, aberta com a vitória do moderado presidente Hassan Rohani nas eleições de junho. Um dos problemas graves da guerra civil síria para a política americana tem sido que ela ameaça enredar os EUA ainda mais profundamente numa aliança anti-iraniana (e, historicamente, ao menos, antirrussa) com as autocracias sunitas do Golfo Pérsico que apoiam os rebeldes sírios. Essa aliança não combina com os valores seculares e democráticos dos EUA, com o compromisso dos americanos com um governo dominado por xiitas no Iraque e com as esperanças de Washington de progresso no mundo muçulmano. O patrocínio do extremismo islamista sunita por alguns desses Estados representa uma ameaça para a segurança americana - e seu ódio patológico ao xiismo contribuiu para o aprofundamento das divisões sectárias desastrosas no Oriente Médio. Usar Moscou para desenvolver novas relações com o Irã é necessário, portanto, não só para uma solução da questão nuclear iraniana e (eventualmente) do conflito sírio, mas também contribui, no longo prazo, para a restauração de uma estabilidade básica no Oriente Médio. E é preciso notar que, embora a Rússia tenha preservado boas relações com o Irã, também está preparada para, em certas ocasiões, ser dura com esse país. As sanções intensificadas da ONU finalmente aceitas pela Rússia e pela China tiveram um efeito severo sobre a economia iraniana e parecem ter contribuído significativamente para a vitória de Rohani nas eleições do Irã. Um acordo de paz na Síria seria extremamente difícil de ser conseguido, é claro - e, provavelmente, não será alcançável até que os dois lados tenham combatido até o limite da exaustão.No entanto, os contornos básicos de qualquer acordo duradouro já estão claros, assim como a necessidade da participação de iranianos e russos. Enquanto envia um forte sinal militar a Damasco e outros regimes para nunca mais usarem armamento químico, Washington deve também intensificar as tentativas para assentar as bases diplomáticas para esse eventual acordo.*Anatol Lieven é professor no departamento de Estudos Bélicos do King's College, de Londres, bolsista sênior da New America Foundation, em Washington, e autor do livro 'America right or wrong: an anatomy of american nationalism'.TRADUÇÃO DE CELSO PACIORNIK

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