Até intérpretes temiam participar de entrevista com Liu

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Por Bastidores: Cláudia Trevisan
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Mesmo quando estava em liberdade, Liu Xiaobo vivia em uma espécie de prisão sem grades, com seus passos constantemente monitorados pela polícia e seus telefonemas grampeados.Professor de literatura antes dos protestos da Praça da Paz Celestial (Tiananmen) - quando o Exército chinês entrou no local para reprimir as manifestações de estudantes e intelectuais que lutavam por democracia -, Liu foi proibido de dar aulas na China e sobrevivia escrevendo artigos para publicações estrangeiras. "Saí de uma prisão pequena na qual havia leis para uma prisão grande, na qual não há leis", disse Liu em entrevista concedida em fevereiro de 2005. Durante datas "sensíveis" para as autoridades chinesas, o dissidente era colocado em prisão domiciliar, com policiais na porta de sua casa 24 horas por dia.Isso ocorria a cada ano no aniversário do massacre de estudantes na praça, ocorrido em 4 de junho de 1989, e nas reuniões do Partido Comunista ou do Congresso Nacional do Povo.Em alguns períodos, ele não podia sair de casa. Em outros, saía, mas era seguido o tempo todo por policiais.A prisão domiciliar e a vigilância ocorriam sem nenhuma base em decisões judiciais.Liu afirmou na entrevista que já havia cumprido suas condenações, mas continuava a pagar uma pena que desconhecia. Mas havia momentos de calma, em que a vigilância diminuía e Liu podia dar entrevistas ou se encontrar com outras pessoas fora de sua casa. A entrevista de 2005 ocorreu em uma casa de chá. Liu falou sem hesitação sobre sua situação, criticou o governo chinês e repetiu suas posições a favor de reformas democráticas. Bebeu chá e fumou vários cigarros.O estigma que o cerca ficou claro antes do encontro. Intérpretes se recusaram a participar da entrevista, com temor de sofrer represálias do governo chinês.O papel acabou sendo desempenhado por um estudante americano, que falava chinês com fluência e não queria perder a chance de se encontrar com Liu Xiaobo.Havia uma tensão no ar e a expectativa de que a polícia poderia entrar a qualquer momento na casa de chá e interromper a entrevista.Mas isso não ocorreu e o dissidente voltou para o que naquela época ainda era uma prisão sem grades.

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